Márcia Denser
Michael Moore não é apenas um cineasta com um projeto político, mas desses eventos humanos que a sociedade atual – das mais perversas e injustas da história do Ocidente – desencadeia como reação contrária, violenta e proporcional aos seus megamales. Um mix de tsunami, pesadelo & pedra no sapato que assola empresários e políticos norte-americanos há cerca de 20 anos, desde o filme sobre Flint e o sucateamento da General Motors na década de 80 até Fahrenheit, 11/9, passando pelos Tiros em Columbine.
Um crítico devastador do establishment, terrivelmente sagaz, com um estilo personalíssimo nas imagens, no texto e abordagem do assunto, que já fez escola entre os jovens realizadores, e que leva inevitavelmente os puxa-sacos pânicos, revolucionários a favor e intelectuais de auto-ajuda – todos de plantão na mediocridade – a chamá-lo de manipulador. O que é um tremendo elogio: afinal QUEM não se deixa influenciar pelo óbvio que ulula aqui e acolá?
Falando em acolá, seu texto mais recente, uma carta aberta dirigida ao Congresso e ao povo dos Estados Unidos, “A única coisa a fazer é cair fora do Iraque” (1), é uma obra-prima de contra-retórica do pensamento neo-ianque, uma denúncia pública da comédia de erros, atrocidades, hipocrisia e estupidez que é a política intervencionista dos EUA. Ele diz:
“Hoje, 27.11, marca o dia em que permanecemos no Iraque mais tempo que aquele que levamos para combater na Segunda Guerra Mundial. É isso mesmo. Fomos competentes para derrotar a Alemanha nazista, Mussolini e o império japonês inteiro em menos tempo que gastamos para tentar tornar segura a estrada que liga o aeroporto de Bagdá ao centro da cidade. Após 1.437 dias, mesmo tempo que levamos para irromper pela África do Norte, conquistar as praias da Itália, o Pacífico Sul, libertar a Europa ocidental, nós não pudemos, após três anos e meio, conquistar uma simples estrada e proteger a nós mesmos de bombas caseiras, feitas de latinhas, colocadas em buracos nas rodovias. Sem contar que uma viagem de táxi do aeroporto até Bagdá, de 25 minutos, custa 35 mil dólares e o motorista não te dá nem um mísero capacete para sua proteção!
“A culpa desse fracasso se deve a nossas tropas? Dificilmente. Não importa o quanto de tropas, helicópteros e democracias cuspamos das nossas armas, nada irá vencer a guerra do Iraque. Ela é uma guerra perdida, perdida porque jamais teve o direito de ser vencida, perdida porque foi iniciada por homens que jamais estiveram numa guerra, homens que se escondem atrás daqueles que são enviados para lutar e morrer.
“E o que diz o povo iraquiano, de acordo com pesquisa da Universidade de Martland? 71% dos iraquianos querem os EUA fora do Iraque, 61% dos iraquianos apóiam os ataques da resistência. Sim, a vasta maioria dos cidadãos iraquianos acha que nossos soldados devem ser mortos e massacrados! Então que diabos ainda estamos fazendo lá?”
A seguir, ele faz uma descrição lapidar da obsessão ianque em ser “polícia do mundo”, impondo intervenções militares e guerras de “libertação” a povos que absolutamente não querem ser “libertados”, nem por eles nem por ninguém, em todo caso, não dessa forma, a American way:
“Existem diversos modos de libertar um país. Normalmente, os cidadãos se rebelam e se libertam a si próprios. Foi assim que fizemos. E você também pode fazer isso de modo não violento, usando a desobediência civil, como na Índia. Pode-se também fazer com que o mundo inteiro boicote o regime dum país até que ele capitule. Foi o que aconteceu na África do Sul. O único modo que não funciona é invadir um país e dizer a seu povo: ‘Estamos aqui para libertar vocês!’ – enquanto eles nada faziam para ‘libertar-se’. Acho que Saddam era um déspota cruel – mas não tão cruel a ponto de milhares arriscarem seus pescoços conta ele. ‘Ah, Mike, eles não podiam fazer isso, Saddam os mataria!’.
“Sério? Você acha que o rei George não mataria quem se insurgisse contra ele? Aliás, uma nação pode ajudar outra a remover um tirano, como os franceses fizeram em nossa revolução. Mas depois a gente cai fora. Imediatamente. Os franceses não ficaram e nos disseram como deveríamos constituir nosso governo. Eles não disseram: ‘Não estamos indo embora porque queremos seus recursos naturais’, ou: ‘É melhor ficar na América, de outro modo eles vão se matar uns aos outros discutindo essa história de escravidão!’.
“O único caminho que leva uma guerra de libertação ao sucesso é ter por trás dela o apoio dos próprios cidadãos. E vários Washingtons, Gandhis e Mandelas liderando a insurreição. Onde estão esses faróis da liberdade no Iraque? Essa é uma piada, tem sido uma piada desde o começo. Nós éramos a piada, mas com 655.000 iraquianos mortos como resultado da nossa invasão, segundo a Universidade John Hopkins. Eu acho que a piada de mau gosto agora é deles. Pelo menos eles foram libertados. Permanentemente.
“Tragam as tropas para casa já. Não em seis meses. Agora. Deixem de procurar um meio de vencer. Nós não podemos vencer. Nós perdemos. Às vezes se perde. Essa é uma dessas vezes. Sejam corajosos e admitam isso!”.
Entrementes no Brasil, na mesma data de publicação da carta de MM, divulga-se que a revista Forbes brasileira elegeu D. Wilma Motta, viúva do ex-ministro Sérgio Motta, como “a mulher mais influente do Brasil”. A solenidade aconteceu no Terraço Daslu.
(1) No site www.michaelmoore.com.
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