Alino Lorenzon*
“Vamos apanhar todos os dias, o dia todo, mas vamos votar. Se fizermos gradual, vamos apanhar violentamente todas as vezes que for dado o reajuste. O melhor é fazer de uma só vez” (O Globo, 15/12/10, p. 14).
Essa declaração de um dos líderes do Congresso Nacional com respeito ao pleito de equiparação dos vencimentos com um reajuste de 61% evidencia o grau de insensibilidade moral, social e política a que estão chegando os nossos parlamentares, justamente nesta época em que somente se pensa no consumismo das festas de Natal e Fim de Ano. É um escárnio para os eleitores e, de modo particular, para os brasileiros e para as brasileiras das periferias, da economia informal e para as populações de rua e das nações indígenas.
Diante desse quadro, vamos ficar inativos? A sentença de E.Burke, que abre o Manifesto pela Redução de Homicídios no Brasil do Abaixo-assinado da lutadora ONG RIO DE PAZ e que tomei a liberdade de colocar no texto a seguir, retrata muito bem a ousadia dos legisladores. Diante dessa trágica realidade, que faria o Betinho na continuação da sua luta pela Ética na política”, se ainda estivesse vivo? Então Vamos esperar contra toda esperança. Apoio total à intervenção da deputada Luiza Erundina: “Nós, parlamentares, não podemos deliberar em nome do próprio interesse contra o interesse público. Esse projeto é um absurdo”, disse exaltada na tribuna. “Eu recomendaria aos meus colegas, se essa proposta for aprovada, que tirem os seus botons, porque vão sofrer agressões da população, que não aceita arbitrariedades contra o interesse público. É um desrespeito essa medida sem transparência e sem lógica para justificar esse aumento”.
Manifesto por uma Justiça Salarial Legal REALMENTE justa
“Para que o mal triunfe, é necessário apenas que os homens de bem permaneçam inativos” – Edmund Burke (1729-1797), homem político e escritor inglês, que se opôs à política colonialista do seu país.
Face à insensibilidade moral e face ao sem sentido da representação política dos nossos parlamentares pleiteando a equiparação dos seus salários de R$ 16,5 mil aos dos Ministros do STF no atual nível de R$ 26,7 mil (reajustes de 61,8%) e, face ao pleito do reajuste médio de até 54% reivindicado para os servidores do Judiciário (reajuste este julgado “delirante” pelo próprio ministro do Planejamento), as organizações da civil abaixo assinadas manifestam sua profunda indignação com base nas seguintes ponderações.
Definição constitucional do salário mínimo. Com a equiparação dos salários dos parlamentares do Congresso Nacional aos dos ministros do STF, lembramos que somente UM salário pelos mesmos pleiteado equivaleria a 52 mínimos atuais, isto é, o assalariado do mínimo deveria trabalhar quase quatro anos e três meses para poder se equiparar a UM salário de parlamentar. Diante dessa aberração e, antes de qualquer discussão a respeito do salário mínimo, pedimos aos parlamentares que leiam e releiam o que reza o Art. 7°, inciso lV, Capítulo ll, DOS DIREITOS SOCIAIS da Constituição Federal: Os trabalhadores urbanos e rurais têm direito, entre outros, ao “ salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo sendo vedada sua vinculação para qualquer fim”, e isso independentemente de cor, raça, gênero, status social, função pública ou privada. Portanto, o atendimento à satisfação das necessidades básicas de todo ser humano deve ser a premissa a orientar e inspirar toda discussão a respeito do salário mínimo.
Face ao exposto, cabe perguntar: Será que um trabalhador com o mínimo de R$ 540 tem meios e condições de atender “a suas necessidades vitais e às de sua família”? Fica aí a gravíssima pergunta aos nossos parlamentares e aos membros do Judiciário?
Diante desse quadro, acreditamos que seria muito salutar e muito instrutivo que, de quando em quando, os nossos parlamentares saíssem da “Ilha da Fantasia”, que é Brasília, e percorressem a pé os bairros das periferias, sentindo de perto as agruras do dia a dia das famílias dessas populações, das quais os senhores são os representantes, e o mesmo fizessem ao retornarem aos seus domicílios “em consulta e contactos com as bases”! Não esperem fazê-lo SOMENTE na próxima campanha eleitoral.
População brasileira que passa fome. A recente Pesquisa do IBGE acaba de mostrar como a fome ainda assombra 11,2 milhões de brasileiros (entre populações indígenas e quilombolas), ainda não beneficiados pela Bolsa Família. Esses brasileiros, que sobrevivem na pobreza extrema com renda per capita de um quarto de salário mínimo, deveriam ser os primeiros a receber uma visita de parlamentares e um mínimo de atenção urgente desses privilegiados que ficam pleiteando salários e outras vantagens exorbitantes. São também (e ainda com maior sacrifício) essas populações desprotegidas que contribuem, dentro das suas limitadíssimas possibilidades, com o pagamento de tributos indiretos subsídios e outras mordomias. Examinem, pois, detidamente, com um espírito de solidariedade e de compaixão, no nível das diferentes regiões e realidades sociais do nosso Brasil, a escala salarial e a dureza da vida dessa multidão de profisssionais da educação e da saúde, da polícia, dos garis e de tantas outras categorias de trabalhadores e de trabalhadoras do mesmo nível social, e isso sem falar de todas as pessoas e das numerosas famílias da multidão da “economia informal” e das “populações de rua”. E mais explicitamente, perguntemo-nos: Como pode um gari do município do RJ sobreviver com o salário de R$ 534. O médico, o professor com uns R$ 800? O policial com uns R$ 1. 100? E um motorista de ônibus, de modo particular das nossas grandes metrópoles, ter uma vida profissional, pessoal e familiar, digna de um ser humano, trabalhando em condições estressantes?
Profissionais da segurança pública e a PEC 300, que cria um piso nacional para policiais civis e militares no valor de R$ 3.5 mil. Desde 2008, a emenda se arrasta no Congresso, com a agravante de governadores e ministros fazerem apelo para que a Câmara não a vote. Mas, como pode um policial, com um salário irrisório, gozar de uma vida decente para si e para a família com um salário indecente? Faz-se mister lembrar e lamentar que a polícia do Rio de Janeiro é das mais mal pagas do Brasil, depois da polícia de Alagoas, com um salário de R$ 1.100. O salário de um soldado iniciante do BOPE, é de R$ 1,2 mil por mês. Todos nós continuamos a acompanhar, emocionados, a luta travada no Rio de Janeiro pelas polícias do Rio de Janeiro e pelas Forças Armadas no desbaratamento da maior fortaleza do tráfico do Brasil, o Complexo do Alemão. Um exemplo único de estratégia militar para o Brasil e para o mundo, como a mídia nos tem muito bem demonstrado. Sem dúvida alguma, o mais justo testemunho de reconhecimento e o melhor presente do Natal de 2010 para as polícias e, SOBRETUDO para as do estado do Rio de Janeiro, seria a aprovação imediata por parte do Congresso da PEC300..
Profissionais da educação. Em 2008 sancionada pelo presidente Lula a lei que instituiu o piso salarial profissional nacional dos Educadores Públicos da educação básica no valor de R$ 950. No entanto, infelizmente sabemos dos empecilhos de toda sorte, criados para que essa lei venha a ser aplicada.
Aplicação justa dos tributos arrecadados. Portanto, precisa, SIM, urgente e permanentemente, que os nossos parlamentares, antes de mais nada, prestem uma atenção ESPECIAL à aplicação dos tributos arrecadados, a fim de que eles sejam de fato canalizados, sem corrupção, sem desvios e sem malversação, em investimentos maciços nos campos da saúde e da educação, da habitação, do emprego e da segurança pública, das reformas profundas do sistema carcerário, nos transportes públicos, rápidos, eficientes e confortáveis, no saneamento básico, nas estradas, portos e aeroportos modernos, etc.
Votos e esperança por uma representação política justa para toda a população brasileira. Esperemos, pois, que essas considerações e esse grito de indignação, expressando, sobretudo, os sentimentos dos sem voz e sem vez, dos quais os parlamentares são (ou ao menos deveriam ser) os PRIMEIROS representantes legais, comovam os seus corações e iluminem as suas mentes. E, para nós cristãos, fica o desafio evangélico de transformar na prática e no testemunho a “opção preferencial pelos pobres”.
NB – Um apelo às ONGs e aos movimentos da sociedade civil para uma corrente nacional de resistência.
*Professor aposentado de filosofia da UFRJ e UERJ (área de ética e filosofia política)
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