Fábio Góis
Recentemente, numa conversa com um de seus ministros mais próximos, o presidente Lula disse não saber ainda exatamente o que fará depois que passar seu cargo para seu sucessor. Mas uma das tarefas à qual o presidente mais se inclina a realizar a partir do ano que vem é a de se tornar uma espécie de arauto da reforma política. Na presidência, avalia Lula, as exigências do cargo, com as negociações com os vários grupos políticos, o impediam de se posicionar mais firmemente sobre as mudanças que julga necessárias no atual sistema político. A partir do ano que vem, liberado das responsabilidades do poder, mas conservando a popularidade e a liderança sobre o PT e os demais partidos parceiros, Lula acredita que poderá pressionar mais livremente os políticos e aprovar a reforma política. Pelo menos alguns pontos dela, como a adoção de lista fechada nas eleições para deputado e o financiamento público de campanha.
Em entrevista concedida à revista britânica The Economist, Lula explicitou esse desejo. O presidente admitiu que terminará o segundo mandato frustrado por não ter conseguido, junto ao Congresso, aprovar a reforma.
“Estou me comprometendo, quando eu não for mais presidente, a começar a convencer o meu próprio partido, porque eu acho que esta é a principal reforma que temos que fazer no Brasil, para que possamos [depois] fazer as demais reformas”, disse o presidente à revista The Economist.
Os pontos e as prioridades diferem, mas a discussão de uma reforma política está na agenda de ambos os candidatos à Presidência no segundo turno, Dilma Rousseff, do PT, e José Serra, do PSDB. O problema é que a modificação do sistema político é um tema recorrente no Congresso, que nunca chega a um bom termo, porque os políticos se mostram incapazes de alterar o atual sistema que já conhecem e do qual, em última instância, se beneficiam. Este ano, o assunto até chegou a ser apreciado na Câmara. Mas partidos oposicionistas como o PSDB, impediram o avanço nas deliberações. “Houve discussão, mas o texto foi rejeitado. Chegamos a um acordo [PT e DEM, um dos principais partidos de oposição] e queríamos aprovar o voto em lista e o financiamento público de campanha, mas o PSDB ficou contra”, lembrou ao Congresso em Foco o líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP).
A intenção do PT é tentar retomar a reforma política do ponto em que ela empacou. As duas principais ideias são trocar o atual sistema de voto nos deputados por um sistema de lista fechada, e estabelecer o financimento público de campanha. Hoje, o voto para o Poder Legislativo (para vereador, deputado estadual ou federal) é proporcional. O eleitor vota em um dos candidatos da coligação, mas o voto, na verdade, pode ir para um outro candidato. Os votos para cada candidato são contados até que ele atinja o coeficiente eleitoral (um número mínimo de votos que elege um deputado, num cálculo que leva em conta o número de votos válidos e o número de candidatos em cada estado). Os votos que sobram são repassados para o segundo colocado. Quando ele atinge o coeficiente, o que resta vai para o terceiro, e assim sucessivamente. Quem critica o atual sistema, diz que ele tem principalmente três problemas: faz com que os partidos busquem celebridades, como o palhaço Tiririca, para puxar votos e eleger outros políticos; transforma os candidatos de cada coligação em adversários, que disputam entre si quem tem mais votos; faz com que o eleitor muitas vezes vote em uma pessoa e eleja outra.
No sistema de lista fechada, o eleitor vota na legenda, no partido. E, dependendo do número de votos que o partido tiver, os deputados vão sendo eleitos de acordo com a ordem em que eles estão colocados na lista. Já o financiamento público estabelece que as eleições sejam financiadas com dinheiro público, distribuído de acordo com critérios que serão definidos.
Outras reformas
Apesar da promessa de empenho pessoal de Lula, seu próprio líder, Cândido Vaccarezza, é reticente quanto às possibilidades de sucesso da reforma política no ano que vem. “Temos de esperar o novo Congresso, saber quem vai se eleger”, avalia ele. “A reforma política é um anseio de toda a sociedade. E todos os governos dizem que têm interesse, mas depois esbarram no fisiologismo de deixam de lado. Aí, vem mensalão, pagamento de propina, tráfico de influência e nada é feito”, critica o presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, Demóstenes Torres (DEM-GO).
O mesmo, avalia Demóstones, vale para as possibilidades de outras reformas constitucionais. A reforma tributária, por exemplo, “depende única e exclusivamente do governo, que não se empenha”, e a do Código de Processo Civil ainda está no início.
Em relação à reforma tributária, Vaccarezza acredita que a realização de mudanças setoriais e fragmentadas no setor, como tem sido praticado pela equipe econômica, pode dar lugar a uma alteração global. “A reforma tributária tem de ser tratada a partir do conjunto. Pode ser que o governo queira fazer uma mudança completa. Mas não é uma opção simples”, admite o parlamentar paulista, mencionando as implicações práticas e as dificuldades envolvidas para governos federal, estaduais e municipais.
Elefantes e alfaces
O cientista político Paulo Kramer critica a postura dos parlamentares em relação às reformas pendentes. Professor da Universidade de Brasília, ele acredita que as mudanças no sistema político, por exemplo, são vistas com “incerteza” por parte da classe política – que, implicada nas mudanças, posterga uma reforma consistente. Para ilustrar a situação, o acadêmico recorreu a uma metáfora: para ele políticos agem como “elefantes presos a alfaces”, ou seja, estão presos a conveniências políticas e não se soltam porque não querem – ou porque não lhes interessa.
“O fato é que muitos preferem vender suas prerrogativas por um prato de lentilha. Agem como elefantes presos a um pé de alface. Os políticos – por mais que as regras eleitorais sejam obsoletas, ultrapassadas – foram eleitos por esse modelo político vigente. Eles têm de se preocupar com as mudanças, porque elas vão alterar o sistema. A incerteza paira”, disse o professor, para quem as mudanças mínimas operadas no sistema político têm sido “meros remendos votados a toque de caixa diante de eventos circunstâncias”. Segundo o cientista político, tanto Dilma quanto Serra, presidenciáveis em disputa, teriam problemas para aprovar uma reforma satisfatória.
“Ela terá dificuldades”, avalia Kramer sobre Dilma que, se eleita, terá ao seu lado uma maioria confortável. “Mesmo com a maioria, a discussão da reforma política vai causar uma conturbação muito grande nos quadros partidários”, continua. Com Serra que, na eventualidade de ser eleito, governará inicialmente com uma minoria ao seu lado, a dificuldade será ainda maior. “Se der Serra, nem se fala. Aí a proposta de reforma acabará no arquivamento”, observou o professor.
Para diminuir as dificuldades de obter quorum para aprovar reformas constitucionais, alguns defendem mesmo a criação uma Assembleia Constituinte específica para tratar do tema. Nesse caso, em vez dos três quintos exigidos para alterar a Constituição, as mudanças seriam possíveis apenas com o apoio da maioria. “É óbvio que isso é um golpe”, critica Paulo Kramer.
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