Uma das maiores polêmicas que surgiram da Operação Lava Jato, a partir da prisão de altos diretores – e até presidentes – de empresas da construção civil, foi o recurso do acordo de leniência, adotado por algumas defesas.
A figura do acordo de leniência ligado a investigações de corrupção foi criada em 2013 e entrou em vigor em janeiro de 2014, no âmbito da lei nº 12.846, conhecida com Lei Anticorrupção. Através da celebração de tais acordos e, claro, o cumprimento de suas condições, as empresas podem reduzir as multas aplicáveis em até dois terços e ficarem isentas de sanções judiciais e administrativas.
No âmbito do poder Executivo federal, a responsável por celebrar tais acordos é a Controladoria-Geral da União, a CGU, que assim resume esse instrumento: “O acordo de leniência tem o objetivo de fazer com que as empresas colaborem efetivamente com as investigações e com o processo administrativo. Dele deve resultar a identificação dos demais envolvidos na infração administrativa, quando couber; e a obtenção célere de informações e documentos que comprovem a infração sob apuração. É dever da empresa a reparação integral do dano”.
E é justamente aí onde reside toda a polêmica. No caso das empreiteiras, por exemplo, a reparação do dano sai muito mais “em conta”, do que enfrentar um longo processo penal sem acordo, durante o qual elas estarão impedidas de celebrar novos contratos com o poder público e contrair empréstimos com agentes financiadores públicos, notadamente o BNDES.
O que se teme é que, na prática, os acordos de leniência que vierem a ser celebrados funcionem como uma espécie de atenuante para as pessoas jurídicas. Pelo menos três empresas de construção civil, OAS, Alumini e Galvão Engenharia, já pediram recuperação judicial, estratagema que provavelmente não seria necessário se tivessem celebrado acordos de leniência. Vale notar que as pessoas físicas envolvidas continuarão respondendo a processos judiciais normalmente.
Segundo a CGU, são quatro os requisitos principais para uma empresa estar elegível para um acordo de leniência: cessar a prática da irregularidade investigada, admitir a participação na infração, cooperar com as investigações, e fornecer informações que comprovem a infração. E uma obrigação interna básica: se comprometer a adotar, ampliar ou aperfeiçoar um programa de integridade (compliance). Os benefícios, alvos da polêmica, são vantajosos: redução da possível multa em 2/3, isenção da proibição de receber incentivos do governo federal, e, principalmente, isenção ou atenuação da proibição de contratar com a administração pública. Dá para ver facilmente que a questão legal não esgota nem de longe a questão da moralidade pública, que deveria vir em primeiro lugar. Os acordos de leniência são legais, por óbvio, mas “premiar” um suspeito de crime grave com a isenção de sua punição, não é moral, evidentemente.
A prova disso é o Artigo 37 da Constituição Federal, onde estão elencados os 5 princípios da administração pública. Além da impessoalidade, da publicidade e da eficiência, estão listadas a moralidade e a legalidade; estas duas últimas consideradas de forma independente uma da outra.
No meio jurídico e político as dúvidas quanto à eficácia punitiva dos acordos de leniência são muito grandes. Principalmente quanto à eficácia na prevenção de futuros crimes de corrupção como os investigados na Lava Jato.
Por isso, vem em boa hora o seminário “Acordo de leniência na Lei Anticorrupção”, promovido pela 3ª Região do Ministério Público Federal e que reunirá em São Paulo, no próximo dia 9 de junho, juristas, ministros do TCU e da AGU, magistrados, membros do MP, auditores, conselheiros da OAB e outros especialistas para debater a aplicação do novo instrumento.
Na pauta do dia, quatro mesas de debates: “Desafios na aplicação da Lei Anticorrupção brasileira”, “Acordo de leniência na nova Lei Anticorrupção”, “Conflito de atribuições e competências na celebração dos acordos de leniência da nova Lei Anticorrupção”, e, por fim, “Lei anticorrupção, controle social e participação”. Vários membros de instituições de Estado estarão presentes, como o procurador do Ministério Público de Contas no TCU, Julio Marcelo de Oliveira, da Ampcon, a auditora de controle externo Luciene Pereira, da ANTC, e o promotor de Justiça e presidente do Movimento do Ministério Público Democrático (MPD) Roberto Livianu, dentre outros.
Os acordos de leniência são instrumentos já há muito tempo usados no Brasil, desde 2001, no âmbito da defesa econômica e agora começam a ser considerados como alternativa no combate à corrupção. Vamos aguardar o que especialistas têm a dizer sobre isso.
De todo modo, fica o alerta de que a questão da moralidade pública deve vir paralelamente à legalidade. Na verdade, a segunda só se sustenta se a primeira estiver bem consolidada no imaginário da sociedade.
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