Edison Freitas de Siqueira*
Quem esteve na Justiça do Trabalho de Brasília no dia 08 de novembro de 2010 presenciou um dos fatos mais pitorescos de nossa versão tupiniquim de Cervantes. O meirinho chamava ao microfone para comparecer em salas de audiências diferentes duas embaixadas de países estrangeiros. O episódio, de tão insano, fez os presentes pensarem que estavam nos corredores da ONU, na sede da OMC ou até no Tribunal de Haia, que são as Cortes com competência para processar e julgar ações e/ou representações internacionais contra atos de países ou atitudes de seus chefes de Estado.
Mas não se tratava da ONU. O absurdo acontecia ali, em Brasília. Parecia a história de Dom Quixote, que enfrentava Moinhos de Vento pensando que eles fossem gigantes inimigos. No caso, plagiando Cervantes, foi a vez da Justiça do Trabalho que, achando-se competente para julgar demandas internacionais, admitiu a existência absurda de reclamatórias trabalhistas contra “embaixadas”, pensando que elas são pessoas jurídicas (empresas) e não representações diplomáticas de outros países, representados por embaixadas e consulados, instalados dentro das fronteiras da República Federativa do Brasil. A existência das missões diplomáticas encontra-se regulada na Convenção de Viena, acordo internacional integralmente aceito por nosso país por meio de sanção do então Presidente Costa e Silva.
Nada de surpreendente há no fato da Justiça do Trabalho se achar acima de Deus, da Constituição Federal, do Código Civil, do Código Tributário, mas pretender se dizer maior do que a ONU, a Convenção de Viena e o Direito Público Internacional, mostra o quanto esta “justiça” está fora do Poder Judiciário. Esse posicionamento diverge da realidade porque as relações jurídicas nacionais e internacionais se regulam por um conjunto de leis internas e externas que se relacionam de forma proporcional e conjunta, observando-se, tão exclusivamente, a ordem hierárquica de cada qual.
A regra geral é a de que a Constituição Federal, os Acordos e os Tratados Internacionais estão acima de todas as normas. Depois, pelo Princípio da Maior Valia, se aplicam as Emendas Constitucionais, as Leis Complementares, as Leis Ordinárias Federais e Estaduais, as Medidas Provisórias, os Decretos, as Resoluções, entre outros normativos.
Cabe ao Estado de Direito proporcionar a “segurança jurídica e a ordem político social”, sintetizando, nas leis, as vontades e as demandas da civilização.
O art. 4º da Constituição Federal Brasileira, que rege as relações
internacionais, ao lado da Convenção de Viena, estabelece a imunidade das Missões Diplomáticas sediadas dentro das fronteiras brasileiras,
reconhecendo, como território estrangeiro, as sedes das embaixadas e
consulados, além dos veículos oficiais dos países com que se relaciona. Por essa razão, o Poder Judiciário e a polícia brasileira, e até o Poder
Paralelo da Justiça e Ministério Público do Trabalho, não possuem
jurisdição dentro das sedes dessas missões.
Portanto, um contrato ou problema de qualquer espécie, que ocorra dentro de uma embaixada ou consulado, é regulado, exclusivamente, pela lei do país daquela representação diplomática. Nenhum oficial de Justiça ou magistrado brasileiro tem como fazer valer suas ordens sobre território
estrangeiro, sequer podendo citar ou notificar um outro país, senão por
meio de organismos internacionais eleitos como mediadores, como é o caso dos exemplos da ONU, Tribunal de Haia ou mesmo a OMC. Tanto assim que, muito recentemente, o Brasil invocou essa imunidade para negar ou aceitar o repatriamento do cidadão italiano Cezare Batistti que, pela justiça de seu país, foi condenado à prisão perpétua por ter sido autor de nada menos do que quatro assassinatos.
Igual argumento utilizou o Brasil quando concedeu asilo político ao ex-Presidente de Honduras Manuel Zelaya, invocando a imunidade do território de sua Missão Diplomática para negar a busca e apreensão do asilado, por ordem do Poder Judiciário daquele país.
Assim, não há outra forma de interpretar – senão como incidente internacional de quebra do Princípio da Reciprocidade e de violação à Convenção de Viena – a absurda ingerência da Justiça do Trabalho do Brasil em assuntos e negócios realizados dentro de embaixadas e consulados estrangeiros, quando quer fazer valer as bizarras reclamatórias trabalhistas e solicitações/intimações do Ministério Público do Trabalho contra países estrangeiros, em função de contratos celebrados e executados em seus territórios.
Por essa razão, ao mesmo tempo que estão provocando um incidente internacional, a Justiça e o Ministério Público do Trabalho, por suas próprias iniciativas, demonstram a urgência que se impõe extinguir suas estruturas para fazer integrar seus magistrados, varas trabalhistas e promotores no verdadeiro Poder Judiciário, ao lado de juízes de Direito e juízes federais que possuem a experiência de aplicar o direito a partir do exame de todo ordenamento jurídico e não exclusivamente a partir da “evangelização” da CLT.
Essa é a única forma de evitar os erros grosseiros que a Justiça do Trabalho tem perpetrado. Entre eles, desconstituir sociedades civis entre médicos, advogados, engenheiros ou, no caso de outras sociedades profissionais reguladas pelo Código Civil, para declarar vínculo de emprego. Sem falar, é claro, do seu mais importante erro: receber e processar reclamatórias trabalhistas contra missões diplomáticas que sequer são pessoas jurídicas, mas sim representantes de um país – com foro e justiça próprios. É como admitir mover uma ação trabalhista contra a Petrobras, no Tribunal “Eleitoral”, colocando como reclamado não a Petrobras, mas sim o senhor Sérgio Gabrieli, por ser o representante da empresa.
Deus salve a nação!
*Presidente do Instituto de Estudos dos Direitos do Contribuinte
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