Cláudio Versiani*
Mestre João Grande nasceu João Oliveira dos Santos, em 1933. Baiano de Itagi, é capoeirista profissional e filósofo por natureza. Em 1950, entrou para a academia do famoso Mestre Pastinha, em Salvador. Tornou-se mestre em 1970. Em 1990, veio aos EUA para um encontro de professores de capoeira. Gostou de Atlanta e permaneceu por lá. Conheceu Nova York e escolheu a cidade como casa. Ensinou capoeira no Harlem de 1990 a 1992. A academia Capoeira Angola Center está estabelecida há 14 anos, na rua 14, em Manhattan. |
João Grande é mestre da capoeira de Angola, a mãe de todas as capoeiras. Angola se joga embaixo, com os pés, e regional (a capoeira tradicional) se joga em cima, diz ele.”Meu apelido foi o mestre quem deu. Quando ele chamava João, íamos eu e meu xará. Ele então passou a me chamar de João Grande, o outro virou João Pequeno, e é meu amigo até hoje”.
Capoeira é dança, arte, cultura e pode ser profissão. Um mestre completo ensina as músicas, o ritmo, como se canta e se joga e, por último, a disciplina – conta, sem disfarçar o orgulho.
João Grande reina absoluto em sua academia. Os alunos estão sempre buscando os olhos do mestre. Pode ser um movimento, uma música ou mesmo quem vai entrar na roda. Tudo deve ser aprovado por João Grande. Os olhos mandam o sinal. Quando a camiseta está para fora da calça, João avisa ao aluno. Só as mãos, os pés e a cabeça podem tocar o chão. Não ajoelha que suja a roupa, adverte o mestre.
Os alunos puxam as músicas, quase mantras, que se repetem até que alguém inicie a próxima. João, de vez em quando, solta um vozeirão africano, é quando a roda mais se anima. É sua voz que dá o tom.
A academia é um pedaço da Bahia em Manhattan, até um papagaio tem por lá. Muitos instrumentos pendurados nas paredes e dezenas de berimbaus compõem a decoração. Uma quantidade enorme de fotos se espalha por todos os cantos. Não poderia faltar altar, improvisado e eclético. Nele tem de tudo um pouco. Um colar indígena brasileiro, figuras do candomblé, lanternas chinesas, um “shalom”, uma estátua da deusa indiana Shiva e no alto, no lugar mais nobre, a foto do mestre dos mestres, Pastinha.
Além das fotos, diplomas e mais diplomas estão nas paredes. O mais importante deles, National Heritage Fellowship of the National Endowment for the Arts, prêmio do governo norte-americano dado em “reconhecimento da contribuição para moldar nossas tradições artísticas e a diversidade cultural dos EUA”. E cartas de felicitações, de George W. Bush e da senadora Hillary Clinton. João Grande, além de mestre, é doutor em Letras Humanas, por seu exemplo de vida e trabalho, título que lhe foi conferido pela Universidade de Upsala, em New Jersey. Não é pouca coisa. Mas o diploma de que João mais gosta é o de mestre em Angola, assinado por Vicente Ferreira Pastinha.
João Grande leva os ensinamentos da Angola pelo mundo afora. Já viajou muito, diz. Em 1974, passou oito meses na Europa. Agora, procura viajar cada vez menos, porque não gosta mais de avião, “é muito cansativo”. Não se dispõe a ficar 20 horas para ir à Nova Zelândia, por exemplo. Mas, uma vez por ano, vai à Bahia, pagar as suas obrigações de Ogam, ajudante de pai-de-santo. Ele gosta de ir em agosto, mês de férias no Brasil, pelo menos na Bahia. João se decepciona cada vez que vai ao Brasil. “Parece que está pior, não se tem trabalho”, diz ele.
João é viúvo há 23 anos e tem seis filhos, quatro mulheres e dois homens, que já lhe deram cinco netos. Uma das filhas mora no Texas, casada com um norte-americano. Ele gosta de namorar, mas não se casou de novo, "as americanas são muito complicadas". Prefere namorar no Brasil ou na Europa. João gosta da disciplina dos gringos, “eles correm atrás”: “Os americanos são mais disciplinados do que os brasileiros, além de mais humildes. Eles querem saber de tudo e querem aprender.”
O nosso mestre não aprendeu inglês, diverte-se vendo a TV Globo Internacional, novelas, futebol e noticiário. Tem muitas saudades da vida boa do Brasil. “Um dia, talvez, quem sabe, eu volto para o Brasil, tenho saudades de tudo da Bahia. Se o dinheiro do Brasil fosse um pouquinho melhor… Aqui é duro de agüentar o frio, ninguém se acostuma com o inverno. O ruim é que aqui tudo tem um preço”, filosofa João.
Ele não perde a festa do Brasil na rua 46, que se realiza uma vez por ano para celebrar a Independência. É a oportunidade de se comer um bom acarajé.
João Grande é um apaixonado pela capoeira. “Ela ensina tudo o que você precisa saber. Ensina a viver no mundo. É uma comida boa que se come e só faz bem ao corpo”, filosofa mais uma vez.
Sobre Nova York e os EUA, afirma: “Aqui você encontra tudo, tem trabalho e uma pessoa pode crescer. Tudo aqui é mais barato. Sou sempre muito bem recebido e nunca sofri discriminação por ser negro".
João acredita que teve a felicidade de ter sido aluno do Mestre Pastinha, o maior de todos. “A gente era obrigado a jogar Angola de terno branco e não podia se sujar, era para mostrar a capacidade.”
O mestre é adepto da alimentação saudável. Não come camarão ou siri por causa do colesterol. Peixe, sim – faz bem ao corpo. O frango ele abandonou, pelo menos por hora, com medo da gripe aviária. Nunca bebeu, fumou ou jogou cartas: “Tomo um copinho de vinho tinto, porque o médico disse que é bom. A capoeira também ensina a ter disciplina”.
Uma vez perguntou ao Mestre Pastinha qual era o melhor golpe da capoeira. A resposta João não vai esquecer jamais: “Fique fora de confusão”. Segue o ensinamento até hoje.
Assim como também não esquece uma frase que ouviu de um violeiro no Mercado Modelo, em Salvador, há 16 anos. Cantou assim o Mestre Bule Bule: “Sou a fruta madura que cai do pé lentamente. Na queda, larga a semente, que procura a terra para ser fruta novamente”. A frase virou o lema de vida do filósofo João Grande, que resume assim, porque acabou ficando em Nova York: “A diferença é que aqui é frio e o dinheiro é quente. O Brasil é quente, mas o dinheiro é frio”. (Colaborou Gilberto Tadday)
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