Semana retrasada, fiz eu mesmo o itinerário da bala perdida. Fui a própria. Viver no Rio de Janeiro – do ponto de vista do ziguezague – pode ser algo bem divertido.
E já que isso aqui não é um blogue com fundo de oncinha, e eu mesmo não dou muita bola praquilo que as revistas de fofoca chamam de “vida pessoal”, resolvi que não vou falar sobre o lugar onde fui detonado. Nem onde moro ou deixo de morar. Tampouco cobrarei amizade e solidariedade de ninguém (essas coisas não são moeda de troca) e, por fim, desconsiderarei os diagnósticos mais apocalípticos dos médicos e da mulher amada.
A conclusão é a seguinte. Se a curva do rio sujo não me diz respeito, não diz respeito a mais ninguém. Vamos aos fatos, portanto.
Faz mais de um mês que quero falar sobre o assunto. A oportunidade sempre me escapava. Uma hora a peça do Marcelo R. Paiva, outra o bangue-bangue no Morro dos Macacos, outra hora o linfoma e mais um pé na bunda. Até que o apóstolo Estevam e a bispa Sônia Hernandez reuniram mais de um milhão de otários no Campo de Marte, numa picaretagem chamada “Marcha para Jesus”.
A primeira coisa que me ocorreu foi: Jesus (que até podia ser um cara legal e dizer uns trecos interessantes) sempre andou – e continua andando – pessimamente acompanhado. Desde sempre. Isso é chocante. Quando vivo, foi traído e negado pelos amigos. Se fudeu de verde e amarelo. Tenho a impressão que morreu não para salvar os homens, mas para ser vilipendiado abjetamente de todas as formas e maneiras possíveis por seus “discípulos e apóstolos” – há dois mil e nove anos seus seguidores cometem as piores atrocidades, matam, mentem e, sobretudo, enriquecem em seu nome. Nome maldito?
Não obstante, ao longo de todos esses séculos, nenhum holocausto e nenhuma calamidade humana poderia ser comparada à lavagem cerebral praticada hoje em dia nas assembléias e templos dos meganhas de Jesus, suposto filho de Deus.
Não há termos para comparação. Com exceção, talvez numa versão mais light, se cotejada aos métodos desses pastores do diabo, do esmagador de cabeças. Trata-se de um instrumento medieval de tortura que foi “revisitado” pelos neopentecostais e que, hoje, funciona como um – digamos – esmagador de consciências coletivas. Na versão light, dos tempos medievais, o queixo do condenado (hoje denominado dizimista, ministro de fé) era colocado na parte inferior da geringonça e a parte superior em formato de cuia se encaixava sobre o crânio do infeliz. Primeiro os dentes eram esmagados e quebrados. Em seguida o maxilar. Os olhos saltavam das cavidades e finalmente o cérebro era espremido e vazava pelas rachaduras do crânio já totalmente destruído.
O resultado dessa prática medieval de tortura é brincadeira de pirralho se comparada ao semblante dos coitados que frequentam as Igrejas desses neo-vigaristas. Basta ligar a televisão a qualquer hora do dia ou da noite para conferir a pasta informe em que essa gente é transformada.
Nenhuma usurpação foi tão brega, nem tão ostensivamente picareta e poderosa. Bispos, pastores, apóstolos. Uma legião de assombrações medievais passa o dia inteiro fazendo malabarismos na televisão. A má fé é tão explícita que chega – no mínimo – a constranger. Eu fico constrangido.
Tem um cara que usa um chapelão de caubói e faz cadeiras de rodas voarem de sua Igreja como se fossem pipocas numa panela quente. Você olha aquilo, e pensa: eu não compraria um carro usado desse sujeito. Como é que ele pode curar paralíticos? Outro parece que está lidando com crianças do pré-primário (metido a paizão), ele é todo delicadeza ao ensinar os trouxas a pagarem o dízimo pela intercessão do Senhor Jesus e através de abençoados boletos bancários. No Código Penal, isso tem nome: estelionato.
Têm uns que dissimulam ataques epiléticos, enrolam a língua e atribuem o “idioma” ao Espírito Santo. Só falam português claro na hora de enfiar a mão na carteira dos incautos. Inacreditável. E têm aqueles que usam cintos e sapatos brancos, que se dizem ex-pais de santo convertidos à palavra do Senhor. Sem falar nas versões pagode, rap, axé e o diabo a quatro que desfilaram na Marcha para Jesus. Que tristeza.
Cadê o Ministério Público?
Igrejas, estádios de futebol, praças, ex-cinemas lotados. A “bispa” Sônia Hernandez e o seu marido, o “apóstolo Estevam”, são a síntese de todos eles. São de amargar: a estimativa da PM sugere que um milhão de trouxas marcharam com o pobre Jesus diretamente do Campo de Marte para a conta corrente do casal condenado por contrabando de dinheiro. Até nas fraldas do netinho da bispa encontraram bufunfa sonegada. E se a PM estimou um milhão, podem contar pelos menos três ou quatro milhões de alucinados pagando para ser enganados … pelo diabo. Quem mais?
Existe um estudo que diz que, dentro de dez anos, metade da população brasileira será neopentecostal. Sabem o que isso quer dizer?
Que 99% da outra metade estará pastando em cercadinhos politicamente corretos. E o 1% restante ( estou sendo otimista) será discriminado, censurado e perseguido. Trevas.
Nem preciso falar que essa gente não tem um pingo de humor. Eles trazem a corrupção, o bafio podre de suas alminhas vendidas lá nos quintos dos infernos diretamente para os horários comprados na televisão – e lotam seus templos diabólicos. Na maior cara de pau, distorcem as palavras do pobre Jesus como se aleijassem suas parábolas. Maldita bíblia que parece que foi escrita para ser mal interpretada.
O Jesus da bispa Sônia não paga imposto. Às vezes ele se trai e deixa de pregar gentilezas para efetivamente latir, quer comprar o mundo e não faz questão de esconder a volúpia. Ou é na base do amém, ou na base da porrada. Os estelionatários gritam, ameaçam, têm os melhores advogados. Anotem. Se a justiça dos homens não frear imediatamente a ambição desses malucos fundamentalistas, as trevas virão mais sombrias e ameaçadoras do que no tempo dos esmagadores de crânios medievais.
E o pior de tudo: eles enfeiam suas mulheres, as destituem de tesão e as transformam em urubus encalacrados – extirpam o clitóris de suas almas submissas. Põem suas filhas para estudar nas Unibans da vida. O Jesus deles caminha sobre um mar de merda, e reproduz peixes que morrem por falta de ar e na ignorância plena da breguice e da feiúra eternas. Sinceramente, dá medo.
Uma carta enviada ao Painel do Leitor da Folha de S. Paulo, por Vanderlei de Lima, da cidade de Amparo-SP, traduz esse horror em poucas palavras. Eu acho que esse cara é um gênio. Sem querer, ele encerrou toda essa lenga-lenga religiosa e traduziu as verdadeiras intenções desses picaretas que arrastam legiões de otários para o obscurantismo e a conta corrente deles. A carta fala do Sudário de Turim. Vejam só.
“A propósito da notícia veiculada em 7/10 dizendo que o Santo Sudário seria invento medieval, devo notar que compete mesmo à ciência investigar essa peça arqueológica, tida como a mortalha de Cristo, como vários cientistas o fizeram, concluindo pela sua veracidade. Contudo, mesmo se verdadeira, a peça será sempre um apêndice para a fé na ressurreição corporal do Senhor Jesus, pois esta não se fundamenta em relíquia nenhuma, mas na palavra de Deus. Caso o milagre da ressurreição fosse uma fraude, tal fraude, que já dura 20 séculos, seria mais milagrosa do que o próprio fato da ressurreição em si.”
FRAUDE! Taí a lógica escarrada dos neopentecostais. Embora o Sudário seja uma relíquia (leia-se picaretagem católica), a engrenagem da trapaça é a mesma. A leitura é a seguinte: somos uns estelionatários, picaretas, contrabandistas, mentirosos e filhos da puta, mas também somos a prova viva de que Jesus
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