José Rodrigues Filho *
Os que estão eufóricos com a discussão governamental de implementação da internet de banda larga no Brasil devem se convencer de que a atual discussão do assunto pelo governo deve ser vista mais como o uso eleitoral de políticas públicas do que a esperança de uma internet social no país. O constante adiamento de algumas ações é a prova disso. Ademais, não se conhece ainda qual é o plano de internet banda larga do governo.
O desastroso processo de privatização das telecomunicões no Brasil no governo de Fernando Henrique Cardoso, que continua no governo petista, é caracterizado não pela privatização em si, mas por ter evitado a competição. A união do capital nacional com empresas estrangeiras aboliu a competição e criou a oligopolização, através do capitalismo do subdesenvolvimento, apoiado pelo governo. Esse capitalismo selvagem levou a população brasileira a pagar umas das taxas de telefone e internet mais caras do mundo. Era de se esperar que num governo de esquerda as correções viessem a ser feitas, mas o problema parece ter se acentuado.
A história do Brasil é rica em exemplos que mostram que a burguesia brasileira, em muitos casos, ao invés de direcionar recursos para a modernização tecnológica, expansão da produtividade e melhorias gerenciais, prefere investir no lucro fácil, em lobby e corrupção. Por conta disso, estamos pagando as taxas de telefonia e internet mais caras do mundo. Estamos pagando possivelmente 200 vezes mais pela telefonia celular, por exemplo, do que se paga num país como a Índia. Como pensar na expansão do acesso à internet numa sociedade de imensas desigualdades, reforçadas por um modelo de desenvolvimento neoliberal, que no momento desmantela os direitos sociais e a cidadania?
No tocante à internet banda larga, espera-se que o governo a considere como um bem social, ou seja, serviços prestados em regime público. Portanto, em um país de desigualdades absurdas como o Brasil, um plano de internet banda larga deve ser caracterizado por alguns pontos básicos, a saber: bem social, velocidade e preços. E o mercado de internet no Brasil sofre criticamente em todas essas áreas. Não bastasse a necessidade de fazer frente aos desequilíbrios sociais, ele precisa enfrentar os problemas de preços e velocidade.
Apesar de algumas limitações do plano de internet banda larga discutido nos Estados Unidos no momento, alguns pontos merecem ser considerados em qualquer país do mundo. O plano norte-americano contempla a idéia de que a internet não seja apenas um serviço de entretenimento, mas um instrumento fundamental para o crescimento econômico, a criação de empregos, a competição global e um melhor caminho da vida. Ao considerar esses pontos, a internet pode melhorar a vida de milhões de pessoas em qualquer parte do mundo.
Nesse sentido, espera-se que o plano de internet banda larga do governo no Brasil assegure que todos os brasileiros tenham acesso a serviços de alta velocidade a preços razoáveis, de modo que seja possível estreitar a larga fenda que nos separa dos países desenvolvidos. Os Estados Unidos estão propondo a universalização de uma velocidade de 4 megabits por segundo (Mbps), além de alcançar 100 milhoes de residências com acesso a uma velocidade de 100 Mbps até o ano 2020. Isso é visto como um plano limitado, visto que países como o Japão e Finlandia, nos últimos anos, já oferecem para toda a população velocidades acima de 30 Mbps.
Qual a velocidade proposta pelo plano governamental de internet banda larga no Brasil? Qual o preço a ser cobrado? Se em países como Reino Unido e Coreia do Sul, por exemplo, já se paga menos de R$ 50 por uma velocidade de 50 Mbps, quanto iremos pagar por uma velocidade dessa magnitude, se no momento pagamos mais do que isso por menos de um megabit? Sem falar que na Suécia já se paga menos de R$ 30 por uma conexão de banda larga de 100 megabits. Um dos absurdos, no momento, é que não existe sequer controle da velocidade da internet no Brasil. As empresas vendem o que não oferecem e tudo fica por isso mesmo, com o apoio do governo. Como pode uma empresa vender um megabit e anunciar que o consumidor pode receber apenas 10% dessa capacidade e o governo e a Justiça aceitam esse tipo de absurdo? Até quando vamos permanecer com essa legalidade do ilícito?
Enquanto em países como Holanda e Suíça as empresas de telecomunicações compartilham o custo das redes que devem ser usadas por todos, no Brasil o governo parece ter a intenção de alocar recursos públicos para beneficiar as operadoras privadas, que abusam da qualidade dos serviços prestados.
No momento, na America Latina, temos duas espécies de internet: uma, com todas as maravilhas, cheia de aplicações gráficas e vídeos, que é confinada a uma comunicação do tipo Norte-Sul, utilizada pelas elites; enquanto existe a outra, que é uma internet de baixa qualidade do tipo Sul-Sul, que mal serve para interligar os residentes dos países latino-americanos.
Portanto, ao invés de eufóricos, devemos permanecer preocupados com o tipo de internet banda larga que o governo quer nos oferecer. Se for a internet do tipo Sul-Sul, de baixa qualidade e velocidade e de elevado custo, estaremos longe de uma internet orientada para o desenvolvimento econômico e melhoria da qualidade de vida. Esse tipo de gambiarra não nos levará a lugar nenhum. Qualquer outra proposta, que não ofereça resultados a curto prazo, não passa de propaganda eleitoral, que no corrente ano já começou.
* Professor da Universidade Federal da Paraíba. Foi pesquisador nas universidades de Harvard e Johns Hopkins. Atualmente, é professor visitante no Departamento de Telecomunicações e Estudos da Informação da Michigan State University.
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