Márcia Denser*
Continua lindo naturalmente, mas como o definiu uma dama carioca à beira da piscina do Hotel Glória, o Rio é hoje uma bela mulher decadente. Quer dizer, a cidade continua linda mas baixou de categoria. Não pude deixar de associar essa idéia ao destino duma personagem de Jorge Luís Borges, Teodolina Villar, deslumbrante beldade da sociedade portenha que, com a falência da família, abandona a mansão de Palermo e comete o solecismo de ir morrer em pleno Barrio Sur (in “O Zahir”, pg.83. O Aleph. Porto Alegre, Globo, 1972).
Quando queria, El Brujo podia ser absolutamente implacável, mas eu não o serei com o Rio, que, em função de sua história, é nosso patrimônio comum e ainda a imagem turístico-cultural do Brasil para uso externo.
Em outra longa estadia, lembro-me do Rio na década de 70. Deixara de ser capital há dez anos, mas, longe de estar decadente, mantinha seu status de Corte cultural: as músicas, as musas, as modas e os modismos saíam de lá, continuavam centrais, e o resto – inclusive São Paulo – era província.
Depois disso, só fui ao Rio a trabalho, rapidamente, mas três décadas não passam em vão. A distância das verbas federais hoje é visível, a começar pelo ano dos automóveis, pelas roupas e os hábitos da população, pela promíscua freqüência no calçadão de Copacabana, notadamente nos fins-de-semana, mix de Índia com Bolívia, e a terminar no narcotráfico surdamente onipresente. Por exemplo: aos empresários paulistas, um garçom com quem conversei à beira da piscina, só conseguiu contrapor os traficantes locais. Numa roda de chope, alguns jovens escritores comentam que “agora em São Paulo só se fala inglês”, repetindo ingenuamente o que dizem as velhas raposas com amarga ironia.
Alguns amigos e intelectuais cariocas, como o crítico Ítalo Moriconi e o poeta Paulo Henriques Britto, confessam-se aborrecidos com a prolongada hegemonia de São Paulo há 12 anos no Planalto e, ao mesmo tempo, seriamente preocupados com a possibilidade de ascensão à presidência de um Anthony Garotinho, isso no que se refere às hecatombes políticas cariocas do momento. Observei que, quanto às hecatombes, eles não precisavam se preocupar, São Paulo não daria chance a Garotinho enquanto pudesse votar nas próprias, que abundam. Sem contar que, na última vez que votamos num alienígena para a Presidência, nos demos mal, pois, convenhamos, o Collor não passou duma alucinação coletiva (aliás, o século 16 acaba de chegar a Alagoas!) que concretamente meteu a mão no bolso de toda a população.
Percebo que atualmente o Rio gravita em torno de dois eixos de poder: a Rede Globo e o narcotráfico. E concluo que, malandramente, para o melhor e para o pior, o carioca continua exercendo sua vocação eterna: a produção de sonhos.
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