Times Square 31/12/2006 16h
Os norte-americanos somam só 5% da população mundial. Eles são os donos do planeta ou são o planeta em si. Este é o país do exagero, do desperdício e do consumismo. Eles não sabem viver de outra maneira, por aqui tudo sobra. É por isso que tanta gente vem para cá desde há muito tempo.
O que significa pouco para os irmãos do norte pode significar muito para os imigrantes pobres. Generosidade é um conceito arraigado na sociedade americana. Todo mundo contribui para alguma coisa, pode ser com US$ 20 para a associação dos bombeiros ou US$ 40 milhões para abrir uma escola na África do Sul, como fez a apresentadora de TV Oprah Winfrey recentemente.
O ex-presidente Gerald Ford morreu no dia 25 de dezembro e só foi enterrado nove dias depois. James Brown morreu no mesmo dia e o seu enterro só aconteceu seis dias mais tarde. E não é por serem famosos, não. Os pobres mortais também esperam alguns dias pelo enterro. Tudo muito estranho.
Os americanos consomem a metade dos sacos plásticos do mundo e geram alguma coisa entre 25 e 50% do lixo mundial, o que não é pouca coisa. Quanto mais, melhor. E, se for caro, deve ser bom. Algumas boas universidades descobriram que estavam perdendo candidatos a alunos porque tinham preço mais baixo do que as melhores. Resolveram aumentar a anuidade e a procura por vagas aumentou. Não faz nenhum sentido, mas é assim que a coisa funciona.
Além de um punhado de bagulhos, eu peguei no lixo um ampliador fotográfico absolutamente novo, um computador velho mas funcionando perfeitamente e a cadeira do meu escritório. Mas também já virei provedor e botei fora algumas coisas que em outros tempos gostaria de pegar. O lixo de Nova York piorou nesses quatro anos, ficou mais pobre. Mesmo assim não pode ser ignorado. Faz parte da cultura da cidade procurar objetos no lixo alheio.
Em quatro anos de América, eu já vi duas vezes o presidente Bush pedindo aos compatriotas para continuar comprando. “Keep shopping”, disse o presidente. É bom para a economia, arrematou. É surreal.
O país (o governo) tem um déficit astronômico, o cidadão americano é super endividado. Usa e abusa do cartão de crédito e não consegue pagar a fatura, vai rolando e enrolando a dívida. E continua consumindo.
A história ensina que os impérios passam. Os americanos sabem que o poder absoluto não vai durar para sempre. Um bilhão de indianos e um pouco mais de chineses disputam a corrida para ver quem sucederá os americanos. A Índia aposta na educação e a China joga suas fichas na economia de escala. Ainda falta muito tempo, mas lá por 2050, quem estiver vivo verá a chegada. Isso se Bush e a guerra do Iraque não anteciparem a data do fim do império americano. Guerra, aliás, que consome mais de US$ 7 bilhões a cada mês, ou US$ 250 milhões por dia, ou US$ 10,4 milhões por hora, ou ainda US$ 173.611 por minuto. É ou não é um exagero?
Depois de quase quatro anos de guerra, o saldo é de uma estupidez brutal. Mais de 600 mil iraquianos mortos, milhares de feridos e um país devastado, que se transformou no paraíso dos terroristas. Até agora, já são 3 mil soldados americanos mortos, mais de 20 mil feridos e um bom número de desajustados que não conseguem se readaptar à sociedade americana. Tudo isso graças à aventura desastrada do senhor presidente. Mas, não se engane, esse monte de dinheiro vai parar no bolso de alguém, e esses estão felizes. O país também não vive sem uma boa guerra de tempos em tempos.
Não há como negar que a sociedade americana é anos-luz mais justa do que a brasileira, por exemplo. E nem há como comparar. Mas eles também têm os seus pobres, guardadas as devidas proporções e põe proporções nisso. Em Nova York, quem fatura menos de US$ 10 mil por ano é considerado pobre.
A economia ora vai bem, ora vai mal, dependendo do ponto de vista de quem a analisa. Olhando de fora, tudo impressiona, os números são estratosféricos. O dinheiro move os EUA. Sem dinheiro você não consome e, sem consumir, você não existe, é um ninguém.
Durante o mês de dezembro minha caixa de correio ficou abarrotada com as ofertas e catálogos de Natal. A quantidade de papel gasta com bobagens é impressionante, assim como as próprias bobagens. Veja só algumas delas (clique na foto para ampliar a imagem).
Basta assistir a um pouco de televisão e ver, por exemplo, os anúncios dos remédios. Na maioria das vezes a propaganda nem diz para que serve a medicina. São imagens de homens e ou mulheres de meia idade correndo ou andando por uma praia bonita. Eles estão sempre com uma cara feliz. E a propaganda termina dizendo para você perguntar ao seu médico se o remédio x é bom para sua saúde.
E saúde, ou a falta de, é um grande problema. Quem não tem seguro-saúde está num mato sem cachorro, perdido. Entrar num hospital só para quem tem dinheiro ou seguro, nada muito diferente do Brasil. A diferença está nos números da conta.
Cada vez mais aumenta o número de pessoas sem seguro-saúde, mais uma façanha do presidente Bush. E também aumenta a diferença entre ricos e pobres. Os ricos estão ficando mais ricos e os pobres, mais pobres. Parece o Brasil? Não se iluda, não parece.
Americanos vivem em outro planeta, são fechados em si mesmos porque se bastam. Nova York não faz parte desse planeta, aqui é a capital do mundo onde tudo é o melhor ou o maior, a megalomania é marca registrada da cidade. Mas, como tem gente de todas as partes do mundo, a metrópole ensina a tolerância e a generosidade. Semana passada um sujeito pulou no trilho do metrô para salvar um estranho. Virou o herói da cidade, ganhou passe livre no metrô por um ano e mais US$ 10 mil do bilionário endividado Donald Trump.
Mas você pode ir à Pizzaria Grimaldi’s no Brooklyn, considerada a melhor da cidade e ser destratado pelo garçom de plantão como se ele não estivesse ali para atendê-lo. A cidade cobra muito, tudo é difícil, nada vem de graça.
Este será meu último ano em Nova York. O melhor é que o inverno ainda não aconteceu, a temperatura é de primavera. O tal do aquecimento global mete medo. Assim como as notícias sobre a violência brasileira. Andar pelas ruas seguras de NYC, poder olhar na cara de cada um e constatar que “todo mundo” é “igual” cria uma sensação de tranqüilidade. A pobreza aparente nas ruas do Brasil incomoda e machuca.
Viver em Nova York não é fácil, é um caso de amor e ódio a cada quarteirão ou, como se diz por aqui, “This is a fucking city”. Ao mesmo tempo a marca da cidade é “I love NY”. Pode ser.
PS: O tema não é novo, mas o consumismo exagerado do povo americano segue me impressionando.
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