No último dia 11 de dezembro, houve uma queda de braço na Câmara dos Deputados: de um lado, os poderosos (deputados fazendeiros ou financiados por eles) ruralistas e, do outro (as vítimas de sempre, os indígenas do Brasil), alguns poucos deputados se manifestando contra a Proposta de Emenda a Constituição (PEC) 215/2000. Nessa queda de braço, discursos, caras feias e olhares de ódio. Os olhares de ódio eram dados pelos ruralistas aos índios que se dirigiam a eles com o grito de “assassinos”.
À tarde, antes da instalação da comissão, alguns ruralistas revelaram que estão fazendo leilões de animais para arrecadar fundos com o objetivo de contratar segurança para seus territórios. Contratar segurança?!
Alguém acredita que os pistoleiros, opa, que os seguranças vão se conter e somente defender o território?
O jornal O Globo, de 7 de junho deste ano, divulga que “nos oito anos de governo do ex-presidente Lula e nos dois primeiros da presidente Dilma Rousseff, 560 índios foram assassinados no Brasil — média de 56 por ano”. Esses números foram levantados pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). A mesma matéria revela que “nos dois primeiros anos do governo Dilma, 108 índios foram assassinados no país, uma média de 54 por ano”.
A matéria não informa quantos fazendeiros foram assassinados por índios no mesmo período. Fui ao Google procurar, e sinceramente, encontrei somente uma referência de assassinato de um fazendeiro cometido por um índio.
Não sou daqueles que entendem que a justiça é feita na base do “olho por olho, dente por dente”, mas também não sou o cego que não quer ver. Há, sim, no Brasil uma política de extermínio de índios levada adiante por alguns fazendeiros e algumas empresas do agronegócio. O extermínio se dá pelo assassinato ou pela retirada das terras deles.
Isso ocorre pela ausência do Estado na defesa do nosso povo originário e dos negros que para cá foram trazidos à força. Com o Estado ausente, os fazendeiros se armam e contratam capangas e pistoleiros (e os chamam de seguranças).
Desde 2000, tramita na Câmara dos Deputados a PEC 215, apoiada e defendida por todos os deputados e deputadas ruralistas, hoje quase sinônimos de construtores da opressão e da exploração. Opressão aos pobres, pretos e índios e da terra, até a depredação total. Há exceções, mas essa é a regra.
Dia 11, quarta-feira da semana passada, no fim do ano legislativo (cheira mal), o presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Alves (PMDB-RN), instalou uma comissão especial para deliberar sobre a PEC 215. A PEC pretende alterar o artigo 231 da Constituição Federal, transferindo do Poder Executivo para o Congresso Nacional a decisão de aprovar a demarcação das Terras Indígenas. Pior, transfere também o poder de rever as terras já demarcadas e homologadas. Por meio dos ruralistas, os fazendeiros tentam “roubar”, como sempre foi feito na história do nosso país, as terras pertencentes à União e usadas como reservas indígenas.
O discurso para a aprovação da emenda à Constituição não tem nenhuma sustentação legal ou de mérito. No mérito, não cabe ao Poder Legislativo executar a demarcação de terras, seja para índios, quilombolas ou qualquer outra finalidade, como, por exemplo, elucidar conflitos. Nesses casos, a quem o Legislativo vai recorrer, uma vez que o Congresso não dispõe de técnicos, recursos financeiros e informações qualificadas? E mais, chama para dentro do Congresso todos os conflitos de terra do país.
O resultado da aprovação desta emenda pode resultar, entre outras coisas, (1) na paralisação definitiva de toda e qualquer demarcação de terras; (2) na suspensão de antigas homologações sem futura definição; (3) no permanente conflito no seio do Congresso; (4) no aumento da chantagem entre os grupos políticos no Congresso e entre o Poder Legislativo e Executivo; (5) em maior demanda judicial; e, (6) no aumento do número de assassinatos no campo.
Os ruralistas querem o conflito, a guerra contra os índios.
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