Reportagem do último domingo, em que o Fantástico revelou a prática de fraudes em concursos públicos pelo Brasil afora para beneficiar parentes e amigos de prefeitos dos municípios que promovem os certames, exige ação imediata da polícia. É preciso evitar que ações criminosas como essa continuem a ocorrer impunemente. Os fatos revelados pelo programa são tão graves que não basta a ação do Ministério Público nas investigações. Afinal, o problema afronta diretamente a Constituição Federal.
Logo depois da denúncia veiculada pelo programa da TV Globo, recebi por e-mail outra espantosa notícia sobre o mesmo tipo de fraude, agora no município de São Lourenço do Piauí, a 539 quilômetros da capital, Teresina: 11 candidatos aprovados para as 27 vagas oferecidas pelo concurso são parentes do prefeito. A relação inclui o filho (médico) e a filha (odontóloga) do prefeito, além de dois sobrinhos (um tecnólogo em radiologia e um motorista), irmã (enfermeira), irmão (motorista), cunhada (auxiliar de consultório), três sobrinhas (uma enfermeira, uma técnica em enfermagem e uma odontóloga) e um sobrinho da primeira-dama (enfermeiro). Uma candidata que prestou o concurso denunciou que não havia segurança no local das provas e que os fiscais eram pessoas ligadas ao prefeito.
O caso reproduz o que ocorreu em 2011, no Maranhão, onde o Ministério Público pediu anulação do concurso público para a prefeitura de São Francisco do Brejão, a 586 quilômetros de São Luís, por ter aprovado muitos parentes do prefeito. O mesmo havia ocorrido na prefeitura de Senador La Rocque, também no Maranhão, onde documentos do processo licitatório eram parecidos com os do certame de São Francisco do Brejão: possuíam mesma fonte e mesma letra, levando à conclusão de que tinham a mesma origem.
A primeira consequência da denúncia feita pelo Fantástico foi a prisão, já na segunda-feira, de quatro suspeitos de participarem do esquema de fraudes em concursos públicos na Paraíba. Entre os detidos, estão o proprietário de uma empresa organizadora de concursos e três servidores públicos da prefeitura de Caldas Brandão, que faziam parte da comissão de licitação do último concurso realizado na cidade, em dezembro do ano passado.
Segundo o promotor Otávio Celso Gondim, a prefeitura teria comprado vagas em acordo firmado com a empresa que realizou o concurso. No esquema, os integrantes da prefeitura informavam os nomes das pessoas que deveriam ser aprovadas. A empresa, então, preenchia gabaritos com os nomes e a assinatura dessas pessoas e colocava as folhas nos envelopes em que os fiscais das provas tinham guardado todas as folhas de resposta do dia do exame.
O esquema criminoso funciona quase do mesmo modo em outros pontos do país. Só na Bahia, o Ministério Público investiga 36 casos de irregularidades, segundo o Fantástico. Em Mato Grosso do Sul, as questões de um concurso foram copiadas de uma prova feita antes no Pará. E, no Maranhão, um analfabeto foi aprovado graças ao esquema montado por um secretário municipal, parente dele.
Mas como é montada a fraude? Em geral, é o mesmo esquema aplicado em Caldas Brandão: prefeitos e vereadores contratam uma empresa para organizar a prova e indicam os candidatos que querem ver aprovados. A reportagem denunciou as prefeituras de Novo Barreiro e Itati, no Rio Grande do Sul, e as empresas Inova, Ascom, DP, Lógica, RCV. Um dos sócios da Inova chegou a afirmar ao repórter do Fantástico que, de dez candidatos, consegue aprovar três. Uma vaga pode custar de R$ 3 mil a R$ 5 mil, segundo outro fraudador, da empresa Lógica.
Como se isso não bastasse, há o depoimento de uma fiscal de um concurso realizado em Itati, no Rio Grande do Sul. Ela notou que vários candidatos entregaram a prova quase em branco e mesmo assim foram aprovados. Trinta e oito candidatos foram indiciados na cidade, mas a maioria deles continua a ocupar os cargos conquistados irregularmente.
É necessária uma reação imediata de toda a sociedade, a fim de impedir que a praga das fraudes em concurso público se espalhe ainda mais pelo País e se transforme em prática comum, em flagrante desmoralização da Constituição brasileira, que estabeleceu como regra a seleção para os cargos públicos por meio do concurso de provas ou de provas e títulos. O Ministério Público e a polícia devem agir com todo o rigor, sem poupar ninguém que esteja envolvido em irregularidades, sejam administradores públicos, sejam empresários envolvidos na organização das provas.
Para punição dos fraudadores, felizmente já dispomos de instrumento legal no nosso Código Penal que talvez tenha passado despercebido aos promotores responsáveis pelas investigações: a Lei 12.550/2011 introduziu no Código Penal Brasileiro o artigo 311-A, que tipifica o crime de fraude em concurso público e estabelece penas de até oito anos de prisão e multa para quem comete o delito. Assim, não basta enquadrar os fraudadores em crimes como frustração do caráter competitivo, formação de quadrilha, falsidade ideológica e corrupção ativa e passiva. É preciso mostrar a eles que realmente o crime não compensa e fazê-los passar uma longa temporada atrás das grades.
Além das medidas punitivas, há outras que podem ser tomadas em relação à organização dos concursos. Refiro-me a ações capazes de tornar a fraude mais difícil. Uma de minhas sugestões é a criação, em todas as universidades federais e estaduais, de bancas especializadas em concursos públicos. Essas bancas organizariam as seleções com maior segurança para os candidatos e qualidade das provas. Assim, se evitaria que empresas sem a menor capacidade técnica fossem contratadas pelas prefeituras. Essa é uma sugestão que apresento na condição de coordenador do Movimento pela Moralização dos Concursos (MMC) e que passa a ser uma de nossas bandeiras daqui por diante.
O tema exige ação imediata e exemplar, para extirpar de vez a ameaça de fraudes que paira sobre os concursos públicos, sejam os de nível nacional, sejam os estaduais ou os municipais. As últimas denúncias devem servir de alerta para que medidas sejam tomadas o mais rapidamente possível. O que não podemos admitir é que pequenos grupos de criminosos frustrem as expectativas e os direitos legítimos de milhares de pessoas, com práticas como as da Prefeitura de São Lourenço do Piauí, onde um concurso público foi descaradamente transformado, criminosamente, em negócio de família, num dos piores exemplos de cabide de emprego e nepotismo na administração pública. Seria a volta da administração pública patrimonialista?
É preciso lembrar que os concursos públicos mobilizam no País cerca de 30 milhões de candidatos e bilhões de reais em recursos envolvendo inscrições, gastos de candidatos com estudos e investimentos de cursos especializados em estrutura e pessoal para a preparação dos que desejam ter o governo como patrão. Nesse contexto, o momento é de somar esforços para garantir a lisura dos certames e punir os fraudadores com todo o rigor da lei.
Só assim, você que estuda e espera a aprovação num dos próximos certames poderá ficar tranquilo e ter a certeza de que depende apenas de seu esforço e capacidade pessoal a conquista do seu
FELIZ CARGO NOVO!
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