Newton Lima*
A relação entre dinheiro, política e poder existe em todas as sociedades democráticas contemporâneas, sejam elas emergentes ou desenvolvidas. O livre funcionamento dos partidos, as eleições e a alternância de poder convivem com a força de grandes interesses econômicos, muitos deles escusos, o que costuma desequilibrar o jogo democrático. A maioria dos casos de corrupção está ligada ao tráfico de influência para desviar dinheiro público em benefício de espertalhões. Os estados impõem regras para tentar conter tal rapacidade; entre nós, leis ineficazes, pouca transparência e muita impunidade dificultam essa tarefa, levando os cidadãos a desconfiar profundamente dos políticos. E essa percepção negativa se estende aos partidos e, pior, às instituições democráticas, principalmente ao Congresso. Cria-se, assim, um terreno fértil para se clamar por um salvador da pátria, acima dos partidos, do bem e do mal. É preciso mudar essa percepção para fortalecer a democracia.
No Brasil, a discussão da relação entre dinheiro e política passa pela forma como se dá o financiamento das campanhas eleitorais. Atualmente, esse financiamento é misto: uma parcela mínima dos custos é coberta com recursos do Fundo Partidário (dinheiro de um fundo que é repassado aos partidos de acordo com sua representação na Câmara dos Deputados). Mas a grande maioria dos gastos é custeada com dinheiro privado, por meio de doações de pessoas físicas e jurídicas. Isso, por óbvio, cria uma perigosa simbiose entre partidos, candidatos e grupos privados, que se torna uma das principais fontes da corrupção, tanto na forma de “caixa dois” quanto no pagamento da “fatura” do financiamento eleitoral.
A proposta de reforma política que está em tramitação no Congresso Nacional – PL 188/98 – representa um grande passo para tornar o financiamento das campanhas exclusivamente público e, assim, aumentar a transparência do processo eleitoral. O projeto prevê que a União repasse ao TSE um volume de recursos de valor equivalente a R$ 7,00 por eleitor, tomando por referência o eleitorado existente em 31 de dezembro do ano anterior à elaboração do orçamento (para se ter uma ideia, somente no primeiro turno das eleições deste ano, os partidos gastaram R$ 2,77 bilhões, segundo o TSE, o que representa um custo médio de R$ 20,51 por eleitor). Os recursos serão distribuídos da seguinte maneira: 1% dividido entre todos os partidos; 14% igualitariamente entre todos os partidos com representação na Câmara dos Deputados e 85% divididos entre os partidos, proporcionalmente ao número de representantes que elegeram na última eleição para a Câmara. O projeto de reforma política também estabelece o voto em lista – que, no meu entender, deve ser misto, reforçando o poder dos partidos sobre os candidatos e abrindo espaço para o voto distrital.
Críticos do PL 188/8 sustentam que, num país com tantas carências sociais como o nosso, não se deveria utilizar dinheiro público para financiar campanhas políticas. Acredito, contudo, que essa alternativa representa um investimento no futuro da nossa democracia, na medida em que ela criará condições para reduzir drasticamente o custo das campanhas, coibir a corrupção e a malversação de dinheiro público. Se não cabe alimentar a ilusão de que, uma vez aprovada, essa lei acabará de vez com a corrupção nas campanhas, é certo de que diminuirá seu alcance.
Para que seja eficaz, entretanto, o financiamento público das campanhas precisa ser acompanhado de mecanismos de controle que lhe dêem eficácia, acabando assim com a impunidade. Para tanto, é necessário que o projeto preveja o envolvimento conjunto de órgãos de fiscalização como a Justiça Eleitoral, a Receita Federal e a Polícia Federal. Uma vez aprovada a lei, a ação republicana desses órgãos permitirá restabelecer a confiança do cidadão nas instituições e na democracia.
*Doutor em engenharia pela USP, é deputado federal eleito (PT-SP). Foi reitor da UFSCar e prefeito de São Carlos por dois mandatos
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