Eduardo de Almeida Carneiro*
Está completando um ano a Resolução 1.612 do Conselho de Segurança da ONU, que estabeleceu mecanismos de vigilância sobre seis graves violações dos direitos das crianças, inclusive em conflitos armados. A preocupação é plenamente justificada, considerando-se que, nos últimos dez anos, 2 milhões de menores morreram e cerca de 5 milhões foram mutilados em guerras. A gravidade do problema também se evidencia no Líbano, onde um terço das vítimas fatais dos bombardeios iniciados em julho integra a população infantil.
A prevenção à morte e à mutilação de crianças na crueldade das desinteligências bélicas é a conquista da paz, objetivo onírico numa civilização permeada por materialismo, intolerância, tensões políticas e disputas econômicas. Essa análise suscita reflexão sobre ações preventivas no Brasil, onde, apesar da violência inerente à criminalidade, convivem em harmonia distintas etnias, credos e ideologias. Porém, esta sociedade pluralista e pacífica deve somar forças na luta justa para promover a saúde na infância. Aqui, uma em cada 16 crianças morre antes de completar cinco anos, muitas vezes por causas passíveis de prevenção.
Também poderiam ser evitados numerosos casos de deficiências físicas, como demonstram estudos da Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD). Um exemplo é a paralisia cerebral. Numa amostra de 6.007 pacientes, cerca de 2.100 (35%) são paraplégicos e 1.700 (28%), tetraplégicos. A prevenção deve começar antes do nascimento, com a nutrição adequada da mãe, controle do fator Rh, verificação de eventual incompatibilidade ístimo-cervical e exames para diagnosticar diabetes e hipertensão. É fundamental a abstinência de álcool e drogas. Os cuidados devem continuar no nascimento, com o estímulo ao parto normal e presença de pediatra na sala do parto, e na infância, combatendo-se o baixo peso, riscos de asfixia, distúrbios metabólicos e convulsões. São importantes, ainda, o aleitamento materno, vacinações e combate às infecções.
A lesão encefálica adquirida infantil é outra causa grave e recorrente de deficiência física, conforme indica estudo realizado com 232 pacientes da AACD. Verificou-se que 60% das lesões ocorrem na faixa etária de até seis anos. Quase 45% dos casos são provocados por traumatismo crânio-encefálico. Os acidentes automobilísticos são causa recorrente: respondem por 35,8% dos traumatismos. Esse índice poderia ser reduzido por meio de providências simples, como o transporte adequado das crianças, que devem sentar-se no centro do banco traseiro. As maiores de oito anos devem utilizar cinto de segurança. Entre cinco e oito anos, deve ser utilizado o booster. E, para os bebês, as cadeirinhas certificadas pela ABNT.
Atropelamentos são causadores de 31,7% dos casos de traumatismo crânio-encefálico. A prevenção inclui medidas educativas, mais atenção de motoristas e pedestres e adequação tecnológica dos veículos. Um dado preocupante: em 30% dos atropelamentos, ocorre óbito. Outros 22,5% dos casos são provocados por quedas de altura. A desatenção com as crianças e brincadeiras em lajes, como empinar pipas, são os fatores mais recorrentes dessas quedas. Outra causa de lesão encefálica adquirida infantil é a anoxia (falta de oxigênio no cérebro). Dentre esses casos, 34,7% são provocados por afogamento em praias, piscinas e locais inadequados para natação.
A mielomeningocele (doença congênita que pode ocasionar paralisia total ou parcia nas pernas da criança) também aparece como causa de deficiência física na infância. Nesse aspecto, deve ser citada a luta vitoriosa da AACD pela adição de ácido fólico (vitamina B9) às farinhas, essencial à prevenção, que inclui cuidados com crises convulsivas, diarréias e infecções.
Disseminar a cultura da prevenção é um compromisso inalienável da governança de entidades do terceiro setor. Essa prática contribui para a redução do número de mortes e de portadores de doenças e, por outro lado, possibilita oferecer atenção mais ágil e de alta qualidade a um contingente menor de pacientes. O quadro atual da AACD exemplifica bem a questão. A entidade é referência internacional de qualidade no tratamento e na reabilitação de portadores de deficiências físicas, mas não consegue dar conta da demanda gerada pela ausência da cultura preventiva no país.
Nas sete unidades da instituição, mais de 2 mil pessoas aguardam a realização da primeira consulta, 3.446 pacientes esperam por agendamento de terapias, 12.060 por avaliação/orientação, 26.415 por consulta de retorno e 3.448 por cirurgias. Os números são preocupantes, exigindo a multiplicação da captação de recursos para prover a demanda reprimida. Tais estatísticas reforçam a necessidade de priorizar o foco na prevenção. Negligenciar tal objetivo tornará praticamente irreversíveis os gargalos do Sistema Único de Saúde (SUS) e das entidades do terceiro setor que atuam nesse segmento imprescindível à promoção da vida.
*Eduardo de Almeida Carneiro, empresário, é o presidente voluntário da Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD).
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