Em 2007, o IBDFAM Instituto Brasileiro de Direito de Família, entidade a qual sou filiado e que reúne cinco mil militantes, entre juízes, defensores públicos, promotores, advogados, desembargadores e professores, teve a ideia de oferecer ao Brasil a modernização da legislação na área de família. Após a participação de todas as seções do IBDFAM e do recebimento de críticas e sugestões via internet, foi elaborado o anteprojeto do Estatuto das Famílias, que também passou por revisão da assessoria da Câmara dos Deputados. Pronto o projeto, coube-me dar entrada na Câmara. O objetivo básico era o de reunir, num só documento, todos os itens relacionados ao Direito de Família.
Num primeiro momento, o projeto passou pela Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF) para análise de mérito, onde foi aprovado por unanimidade, tendo sido retiradas, no entanto, todas as referências às relações homoafetivas. Na comissão seguinte, de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC), o projeto foi debatido em audiência pública, recebeu vistas de diversos parlamentares, foram apresentados votos em separado e o então relator e presidente da comissão, deputado Elizeu Padilha (PMDB/RS) ouviu e acatou diversas sugestões. Finalmente, após três anos e meio de tramitação, o projeto foi votado em dezembro de 2010.
Com 264 artigos, o Estatuto das Famílias contém uma parte relativa ao direito material, que reproduz os conhecidos institutos do Direito de Família: o casamento – com todos os seus efeitos, impedimentos, regimes de bens, validade e provas -, além de outros institutos, tais como a união estável, o divórcio, a tutela, a curatela, guarda, adoção, alimentos, etc. Elimina o nunca usado regime de bens dos aquestos (adquiridos na vigência do matrimônio). Mas o grande avanço do estatuto, na minha avaliação, é o da criação de uma processualística própria do Direito de Família. A partir do Título VII, passamos a ter regras do Processo e do Procedimento. A conciliação é estimulada, permeando todas as fases do processo e também é reconhecida a interdisciplinaridade do Direito de Família. É eliminado o instituto da separação, não mais recepcionado por nossa Constituição, a partir da promulgação da Emenda 66/2010, também de minha autoria, que instituiu o divórcio direto no País.
O projeto cria ainda o Cadastro de Proteção ao Credor de Alimentos para as pensões não pagas, sem prejuízo de inscrição em outros cadastros das demais instituições públicas ou privadas de proteção ao crédito, instituindo uma etapa anterior ao pedido de prisão do devedor da pensão alimentícia. Também inova quanto chega a esta medida extrema, ao estabelecer o regime semiaberto, a fim de que o devedor possa viabilizar o pagamento das prestações vencidas. Somente em caso de descumprimento da ordem judicial, chega-se ao regime fechado.
Apesar da sua importância sob vários aspectos, a imprensa tem insistido num item que não consta do projeto: o de benefícios para “amantes”. Um jornal de grande circulação, apesar da correta reportagem da jornalista, pecou no título ao informar que o projeto permitiria o pagamento de pensão para amantes, o que não é verdade. Relação com amante não gera efeito jurídico, pois não tem o animus da procriação, de constituir patrimônio em comum, nem de formar família. Assemelha-se a uma relação de namoro havida entre pessoas no ambiente de trabalho, de estudos, na academia ou na vizinhança, em que uma delas não é desimpedida legalmente, o que difere totalmente da união estável.
O Estatuto, no capítulo referente à união estável, com as condições qualificadoras de tal situação (relação pública, duradoura e estável), está dito que se uma das pessoas estiver em desacordo com a lei, a outra não pode pagar por este erro, sendo devida à assistência se necessário. Óbvio que esta não é a regra. Quem quer mudar de parceiro deve primeiro desfazer o vínculo matrimonial e, por isso, lutamos e aprovamos a Emenda 66, do divórcio. Entretanto, se, à exceção, alguém mantém duplo relacionamento, um de fato e outro de direito, tem que ser responsabilizado, o que é diferente de dizer que o projeto incentiva a prática do adultério ou da bigamia. O que está posto no texto é o que a jurisprudência tem consagrado. Só isso.
O projeto seria terminativo na CCJC. Mas alguns parlamentares entraram com recurso, o que fará com que o Estatuto seja apreciado, também, no plenário da Câmara para, só então, seguir para o Senado. Vamos continuar nossa defesa da modernização do Direito de Família e lutar pela aprovação do Estatuto das Famílias. O debate é bom e importante. Se razoáveis forem os argumentos, podem e devem ser absorvidos sem a necessidade de condenação de uma grande ideia.
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