Soraia Costa
Fiscalização feita pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) mostrou que o óleo combustível fornecido pela Petrobras para abastecer as usinas termoelétricas da região Norte é pelo menos 27% mais caro que os preços de mercado.
Se o fornecimento para a Manaus Energia, uma das oito empresas que a Centrais Elétricas Brasileiras (Eletrobrás) mantém no Norte do país, fosse feito com base nos preços da Texaco, empresa privada que também atende à região, a economia – somente entre setembro de 2004 e outubro de 2005 – seria de 46.200 toneladas de combustível. A preços de hoje, isso corresponde a mais de R$ 44 milhões.
No caso do óleo diesel, as disparidades encontradas são ainda maiores. As estatais de energia da região Norte pagaram em 2005 à BR Distribuidora valores em média três vezes mais altos que os desembolsados por companhia privada atendida pela mesma Texaco.
A diferença de preços gerou denúncia contra a Petrobras na Secretaria de Direito Econômico (SDE) e no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) do Ministério da Justiça, por abuso de poder econômico. O inquérito ainda não foi instaurado, mas os documentos encaminhados pela Aneel já estão em processo de análise.
Agindo dentro da sua área de competência, a Aneel já puniu a Eletrobrás. A estatal foi autuada, no último dia 28 de junho, e terá de pagar multa de R$ 11,946 milhões por ter permitido que as empresas da região Norte aceitassem comprar óleo combustível e óleo diesel por preços acima do mercado.
O sistema Norte
Apesar de a maior parte da energia brasileira ser gerada em usinas hidrelétricas, cuja distribuição é interligada, existem áreas nos estados do Acre, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima, Amapá e Mato Grosso que não fazem parte do chamado Sistema Interligado de Fornecimento e necessitam de usinas termoelétricas para serem abastecidas. Essas áreas correspondem a 45% do território nacional, mas atendem apenas a 3% da população brasileira.
A energia termoelétrica necessita de combustíveis fósseis (óleo diesel ou óleo combustível) para ser gerada e, por isso, seu custo é superior ao da energia hidrelétrica, cujas turbinas são rodadas com a força da água represada nas usinas. Para evitar que a população das comunidades isoladas arcasse sozinha com o prejuízo da compra dos combustíveis fósseis, o que tornaria inviável o fornecimento, o governo criou uma taxa nacional para ratear os gastos igualmente em todo o território.
Todos os 53.670.178 consumidores de energia elétrica brasileiros pagam, mensalmente, 3,7% do valor de suas faturas para contribuir com a chamada Conta de Consumo de Combustíveis Fósseis (CCC). A conta é gerida pela Eletrobrás e serve para ressarcir as fornecedoras de energia da região Norte quando os seus custos ultrapassam as despesas das empresas que trabalham com energia hidrelétrica.
Somente no ano passado, a Eletrobrás arrecadou quase R$ 3 bilhões com a taxa. Para evitar abusos, a empresa estabelece valores de referência para cada fornecedora de acordo com o preço do combustível, a quantidade de energia gerada e a dificuldade de acesso às comunidades atendidas por cada geradora.
O repasse do dinheiro arrecadado pela CCC é feito a partir da apresentação de notas fiscais por parte das empresas fornecedoras. Neste ano, os valores movimentados pela conta CCC devem aumentar significativamente, em razão do crescimento da demanda de energia na região Norte e da elevação dos preços dos combustíveis. Até dezembro, serão pagos R$ 4,525 bilhões pelos consumidores de todo o país somente para a CCC.
Compete à Aneel fazer auditorias para verificar tanto o rateamento dos custos de energia quanto a adequação das despesas efetuadas pelas concessionárias elétricas.
Variações de preço
A multa aplicada contra a Eletrobrás resultou de um longo processo de fiscalização realizado pela Aneel na CCC. Os técnicos da agência analisaram as variações de preço de combustíveis entre janeiro de 1999 e dezembro de 2005.
Um dos fatos que chamaram a atenção deles foi a diferença entre os valores pagos na compra de óleo diesel por uma empresa privada que opera na região Norte (a Jari Celulose) e os preços que as estatais pagaram.
Entre 2002 e 2004, constatou a Aneel, as empresas que compram combustível da BR Distribuidora gastaram o dobro do total pago pela Jari à Texaco. Em 2005, as despesas dessas estatais foram superiores em mais de três vezes aos desembolsos da Jari.
Os técnicos também concluíram que mesmo a Jari compra óleo diesel mais caro do que os preços das tabelas de referência da Agência Nacional de Petróleo (ANP). Essa diferença a maior variou de 10,23% a 17,45%. No caso das estatais, o sobrepreço em relação à tabela da ANP ficou entre 19,59% e 37,08%.
Segundo a Eletrobrás, em 2005, a média mensal dos preços do óleo combustível fornecido pela Jari Celulose (sem considerar a parcela excedente relativa ao ICMS) era de R$ 760 por tonelada, enquanto o mesmo produto na Manaus Energia (responsável pela geração, transmissão e distribuição de energia para a cidade de Manaus, AM) custou R$ 1.127. Até abril deste ano, a diferença permanecia praticamente inalterada.
O que diz cada um
A assessoria de imprensa da Aneel disse ao Congresso em Foco que os custos podem variar de acordo com a dificuldade de acesso às comunidades e à capacidade da usina termoelétrica. No entanto, a agência acredita que tais peculiaridades podem ser usadas como pretexto para justificar práticas abusivas.
Além das acusações contra a Petrobras, o documento encaminhado pela Aneel ao Ministério da Justiça inclui propostas para a gestão da conta CCC com o objetivo de garantir maior competitividade na aquisição dos combustíveis.
Procurada pela reportagem, a Eletrobrás informou que recorreu contra a multa e jogou a culpa na Petrobras. A estatal argumenta que nada pode fazer com relação ao abuso de preços, pois quem determina os valores do óleo combustível é a Petrobras (por meio da BR Distribuidora). "Mesmo com o preço estando acima da média, a necessidade do produto exige o pagamento", disse um assessor técnico da empresa.
A Petrobras Distribuidora enviou nota dizendo que "já prestou os esclarecimentos necessários às autoridades competentes, colaborando para o estabelecimento da verdade sobre os fatos".
O recurso da Eletrobrás está sendo analisado em conjunto pela Superintendência de Fiscalização dos Serviços de Geração e pela Superintendência de Fiscalização Econômica e Financeira, ambas da Aneel.
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