O empenho do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, para fundir o DEM com o PMDB envolve um cálculo político-eleitoral pragmático. No caso específico de São Paulo, seria a união de um partido que nunca conseguiu ter expressão no estado com outro partido que cresce em todos os cantos, mas diminui nas urnas paulistas desde a invenção do PSDB.
Com a doença de Orestes Quércia, saiu do páreo o único peemedebista com votos para puxar o restante do partido. O vice-presidente eleito Michel Temer, atual presidente do PMDB, tem prestígio e comando partidário interno, mas nunca foi muito bom de voto. Nas eleições passadas, quase acabou como suplente de deputado, por pouco não se elegeu. Agora, foi vice de Dilma não pelo número de simpatizantes que individualmente tinha no eleitorado, mas pela possibilidade de levar o maior partido do país para a aliança (e, aí, com todos os caciques regionais peemedebistas em outros estados que realmente têm votos).
Agora, portanto, a ideia era dar a Kassab uma estrutura partidária que o DEM não pode lhe dar. E, em contrapartida, o PMDB apostaria no prefeito de São Paulo como a alternativa a herdar o manancial de votos que era explorado por Quércia, se ele não tiver mais saúde para retornar. A proposta é boa para Kassab, e é por isso que ele deve aceitá-la, mesmo não conseguindo levar com ele o restante do DEM.
O que é o mais provável. O DEM não vai se fundir com o PMDB. Mas balançou um bocado com a possibilidade. E a história acabou por expor toda a fragilidade do ex-PFL após a derrota das oposições na disputa com a candidata do PT, Dilma Rousseff. Os oposicionistas estavam certos que voltariam ao poder ao final da era do fenômeno Lula. Não voltaram. A derrota feriu um bocado o PSDB, que terá de se reciclar para se adaptar ao novo mundo. Mas, quanto ao DEM, a derrota deixou o partido em frangalhos.
Os oitos anos em que o DEM viveu na oposição ao governo Lula poderiam ter sido um bom momento para a construção de um partido orgânico, de direita, que poderia ocupar um vácuo no plano das ideias políticas no país. Há no Brasil muitos políticos conservadores, certamente a maioria deles. Mas, resquício ainda dos desmandos autoritários da ditadura militar (que envergonham todos os que têm um mínimo de escrúpulos), ninguém se declara de direita. E, resquício da forma predatória como a elite brasileira se serviu do poder desde que veio de Portugal e se instalou por aqui, o pensamento conservador sempre se misturou aqui com o pensamento fisiológico, com o pensamento clientelista, com a corrupção. O DEM teve a chance de poder se apresentar de fato como uma legenda de direita, que poderia se identificar com um eleitorado conservador e propor, de fato, alternativas, especialmente na contraposição a um governo de esquerda que se instalara. Do ponto de vista da ética na política, o jogo poderia se igualar, a partir do momento em que o governo petista, depois do mensalão, viu-se com dificuldades para explicar algumas coisas. Nada nesse plano, porém, deu certo.
Primeiro, porque talvez seja verdade o que costuma dizer minha amiga Denise Rothenburg, do Correio Braziliense. É bem possível que o comando do DEM não tenha mesmo nunca tirado carteira de motorista, porque sempre andou em carro oficial com chofer. Ou seja: os que formaram o partido eram de tal forma acostumados com as benesses do poder que nunca conseguiram se ver de fato como um partido de oposição, algo que, no plano das mordomias e privilégios, traz ônus inquestionáveis.
Para o DEM poder de fato ter batido e explorado as denúncias de corrupção contra o PT, teria que ter conseguido manter-se distante de denúncias contra ele mesmo. Não foi o que aconteceu. Especialmente depois que a Polícia Federal detonou a Operação Caixa de Pandora e o ex-governador José Roberto Arruda e sua turma começaram a protagonizar as mais explícitas e constrangedoras cenas de corrupção que já se viram por essas plagas que vão do Oiapoque ao Chuí.
Da mesma forma, o DEM nunca conseguiu ter a ousadia de se apresentar de fato como um partido orgânico de direita. Ao trocar de nome, tirou da sigla o que havia de ideológico nela: a palavra “liberal”. Optou, em troca, por algo que, em si, não quer dizer nada. Em princípio, democratas são todos os partidos que disputam atingir o poder por meio de eleições livres e diretas. Além disso, como enxergar em apoiadores da ditadura como Jorge Bornhausen, Marco Maciel, Antonio Carlos Magalhães, democratas de fato? Último problema: ficou quicando o apelido “demos” para os ex-pefelistas. É evidente que o PT não hesitou um segundo em chutar o apelido para gol.
Jorge Bornhausen até fez a leitura certa, quando resolveu se afastar da presidência do partido e entregá-lo a alguém mais jovem. Sabia da imagem desgastada que ele e os demais caciques pefelistas tinham. Mas a jovem guarda demista era formada por filhos dos caciques antigos. Bornhausen imaginava que poderia controlar de sua casa em Florianópolis o comando da legenda, que entregou ao deputado Rodrigo Maia (RJ). Esqueceu-se que Rodrigo Maia era filho de outro cacique, César Maia, que logo concorreu para também controlá-lo.
O mesmo homem que colocou Rodrigo Maia no comando do DEM é aquele que trabalhou agora para que ele renunciasse: Jorge Bornhausen. Com a saída de Rodrigo, extingue-se a falsa ideia de rejuvenescimento da legenda, com a troca equivocada de nome e ascensão dos filhos e netos dos velhos senhores. Será um outro Maia, da parte nordestina da família carioca de Cesar e Rodrigo Maia, quem assumirá o partido: José Agripino Maia. Pelo simples fato de que é ali no Rio Grande do Norte, com a vitória de Rosalba Ciarlini para o governo do estado, que o DEM sobrevive. De que jeito e até quando, porém, é uma incógnita.
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