Marcos Magalhães* |
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As idéias, como já observou Cazuza, nem sempre correspondem aos fatos. A grandiloqüência da reunião de cúpula desta semana em Brasília esbarrou na ausência dos principais convidados: não estarão na cidade os líderes de países como Arábia Saudita, Egito, Jordânia, Líbia, Marrocos e Síria. No final das contas, o encontro de cúpula Países Árabes- América do Sul, idealizado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, poderá ser uma boa ocasião para que ele converse mesmo é com os vizinhos. Bons negócios poderão ser feitos nesta semana em Brasília, naturalmente. Mais de 800 empresários, metade dos quais brasileiros, estão inscritos em um seminário paralelo destinado a explorar as potencialidades de ampliação do comércio e do investimento nas duas regiões. Para se fecharem negócios, porém, nem sempre é necessária a presença de tantos chefes de Estado e de governo. Por apostar alto demais em um evento provavelmente prematuro, Lula enfrenta um inconveniente desnecessário – e concede à oposição munição em uma área, a política externa, que costumava passar ao largo dos principais debates no Congresso Nacional. Lula já foi criticado no Congresso por ter visitado líderes de regimes autoritários como os da Líbia, Muamar Kadafi, e da Síria, Bachar Al-Assad. Pagou o preço pela aproximação com os dois, que agora nem comparecem ao encontro de cúpula. E o presidente ainda poderá ser criticado pelo tom que vier a ser exposto na declaração final da reunião a respeito do que se considera uma democracia. Se muitos colegas árabes não vêm, por outro lado, Lula terá pela frente uma boa chance de reduzir a temperatura do relacionamento com os principais parceiros do continente. As críticas ao Brasil por aqui são variadas. Depois da naufragada candidatura à direção da Organização Mundial do Comércio (OMC), o governo brasileiro demorou em apresentar seu apoio ao uruguaio Carlos Pérez del Castillo. A iniciativa de criar a Comunidade Sul-Americana de Nações (Casa), após o acordo do Mercosul com o Pacto Andino, vem sendo apontada como precipitada. Mesmo adjetivo, aliás, usado para a operação de resgate do presidente deposto do Equador, Lúcio Gutiérrez, sobre a qual o Brasil não consultou ninguém. As maiores mágoas, naturalmente, vêm da Argentina. Os empresários do maior sócio no Mercosul continuam reclamando do volume das exportações brasileiras para lá e querem salvaguardas para o comércio bilateral. O presidente Nestor Kirchner, por sua vez, anda insatisfeito com os movimentos brasileiros para assumir a liderança do continente e se queixou – segundo o El Clarín – que o Brasil tem um apetite muito desenvolvido por cargos de comando de organismos internacionais – aí incluído o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas. Líder, o Brasil já é. Mas aumentar o volume das declarações de liderança – especialmente diante de um vizinho que já foi tão rico e poderoso – não ajuda muito a melhorar o relacionamento bilateral. Liderança, como lembrou ao Estado de S. Paulo o ex-embaixador em Buenos Aires Marcos Azambuja, não se invoca, mas é reconhecida pelos demais. Um pouco mais de sobriedade, diz ele, não faria falta ao Brasil. No comércio bilateral, a questão é ainda mais delicada. Depois de anos experimentando superávits na sua relação com o Brasil, a Argentina – fragilizada pela longa crise econômica – sente-se agora oprimida pelas exportações brasileiras. Mesmo que os industriais brasileiros decidissem suspender todas as suas vendas a Buenos Aires, porém, uma boa fatia desse mercado não ficaria por conta dos empresários argentinos – e sim nas mãos de exportadores de fora do Mercosul, por causa da baixa eficiência da economia argentina neste momento. A adoção de salvaguardas pode até servir para adiar o problema. Mas a solução para o Mercosul parece muito mais ligada à modernização da economia regional e ao aprofundamento da integração produtiva. Tudo isso leva tempo e exige um compromisso de longo prazo. Os dois presidentes terão uma oportunidade para discutir tudo isso na Granja do Torto nesta semana. Se eles conseguirem desarmar a crise que ameaça tomar conta do relacionamento bilateral, poderão pelo menos participar mais tranqüilos do esvaziado encontro de cúpula com os árabes. |
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