Deus vai mal mas o fanatismo prepondera.
Deriva de Spinoza o uso contemporâneo do termo “cético” como “alguém que não acredita nem em Deus nem na religião”. O ceticismo moderno defende a ciência e combate as pseudociências, as superstições, as religiões oficiais, fazendo a razão supostamente esclarecida combater a fé supostamente irracional.
Já no século XIX, Deus foi morto pelo positivismo à direita, que privilegiava a ciência e descartava a religião, e pelo marxismo à esquerda, que via na religião o ópio do povo. Simultaneamente, na literatura, um personagem de Dostoiévski, declarava: “se Deus não existe, então tudo é permitido”.
Por outro lado, a primazia dos monoteísmos e do Deus único tornou o homem cego e intolerante para com a pluralidade da vida e a multiplicidade de realizações possíveis, incluindo estilos de vida, formas de governo e modos de produção. O filósofo brasileiro Vicente Ferreira da Silva entende o cristianismo como o principal responsável pela metafísica da subjetividade que resulta no domínio técnico do mundo.
O Deus único, ao criar o homem à sua imagem e semelhança, permite que se crie um mundo à imagem e semelhança do homem. Nesse sentido, o cristianismo é a causa da divinização da técnica e, conseqüentemente, da negação das forças telúricas vitais. Em termos abstratos, esse processo leva à negação do radicalmente outro, isto é, do próprio divino, e em termos concretos, o processo se consuma em Auschwitz, que é o Pior, e Hiroshima, que é o Nada.
Fundamentalistas de todas as nações e religiões fuzilam crentes dentro duma mesquita, matam médicos e enfermeiras que trabalham em clínicas de aborto, derrubam governos legitimamente constituídos. Segundo Karen Armstrong (Em nome de Deus:o fundamentalismo no judaísmo, no cristianismo e no islamismo. S.Paulo, Cia das Letras, 2001), em nome do Livro do Gênesis, fundamentalistas cristãos norte-americanos promulgam leis proibindo o ensino da teoria da evolução nas escolas.
E pensar que o capitalismo é ele próprio useiro e vezeiro do darwinismo social e político.
O filósofo Bertrand Russell considera todas as religiões do mundo não só falsas como prejudiciais: se todas se pretendem a única mas diferem radicalmente entre si, não há ponto de vista privilegiado que permita decidir qual é a verdadeira – logo, todas devem ser falsas. A multiplicidade de deuses atesta simplesmente que não existe nenhum.
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Quanto mais intensa a religião em qualquer época e quanto mais profunda a crise dogmática, tanto maior a crueldade e tanto pior o estado de coisas, diz Russel. Desse modo, o mundo se revela repleto de inimigos – porque o único Amigo não é deste mundo. Quer dizer, ao contrário do que disse o personagem de Dostoiévski, tudo é permitido sim, mas porque Deus existe: mata-se em nome de Deus, das religiões. Ou de seus sucedâneos simbólicos, as ideologias.
No século XXI, o Capital tornou-se um deus e um dogma de fé inquestionável, o Pensamento Único – não por acaso chamado Único, até porque deuses têm mania de exclusividade – seu decálogo, e a Tecnociência, a alma do mundo. E só fala inglês.
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