Não existe inimigo maior para um petista do que um petista de outra tendência. Nos encontros internos do partido, os caras se matam, se xingam, se detestam. E, não raro, uma denúncia que sai contra um petista foi produzida por um outro petista de facção adversária dentro do partido. É o chamado e conhecidíssimo fogo amigo.
Mas, quando se trata do PT, há um aspecto, em contrapartida, que não pode ser desconsiderado. O pau quebra internamente, mas, depois que os pontos são votados, depois que a maioria se impõe, as ideias e estratégias vencedoras passam a ser cumpridas com disciplina por todos. Foi assim que o PT foi crescendo e se ampliando na oposição, até conseguir chegar ao poder. Sempre houve resistência interna e muito forte à gradativa estratégia adotada pelo PT de ir abandonando suas bandeiras mais radicais para ampliar sua base eleitoral. José Alencar que foi sonoramente vaiado na convenção que o homologou como candidato a vice na chapa de Lula em 2002 sabia bem disso. Tomada a decisão, porém, o PT sempre foi capaz de fazer impor a vontade da maioria sobre os demais. É uma lógica de assembleia sindical que o PT soube muito bem incorporar à sua dinâmica interna.
Quando os partidos de esquerda estavam fora do poder, se costumava repetir a seguinte frase: Enquanto a direita se une, a esquerda briga entre si. Na verdade, o que parece mais correto agora é dizer: Enquanto quem está no poder se une, quem está fora do poder briga entre si. Com a ressalva, porém, de que no PT, como dito acima, isso sempre foi um pouco diferente, é o que se verifica agora.
PSDB e DEM, os dois principais partidos de oposição, são associações de líderes políticos regionais, que levam a estrutura que amealharam em seus estados para a agremiação. Todo mundo, portanto, se julga igualmente poderoso e importante. Assim, tem imensa dificuldade em se submeter à opinião dos outros, mesmo que ela prevaleça. Sem a cola aglutinadora do poder, se esfacelam. Mesmo os partidos de origem mais de esquerda na oposição vivem as mesmas dificuldades, porque, nas suas tentativas de crescimento, descaracterizaram-se. O PPS, por exemplo, não conseguiu importar da sua origem de antigo PCB (não o que ainda existe, mas o que acabou) a ideia do centralismo democrático. Quando Roberto Freire, o presidente do partido, tenta impor uma ordem aos insubordinados, ao invés de submetê-los, acaba brigando, e os antigos companheiros vão embora.
O resultado é o que se vê. Os partidos batem boca publicamente, as divergências ficam expostas, e a oposição, assim, patina. E o curioso é que tais diferenças são apenas de estratégia. Ou porque interesses particulares de alguém acabam se sobrepondo ao interesse geral do partido. Porque, no campo das ideias, do que efetivamente a oposição deveria fazer para sair do pântano em que se meteu, os pontos de vista parecem coincidir.
Isso fica claro na comparação de três importantes manifestações da oposição nos últimos dias: o discurso de Aécio Neves (PSDB-MG) no Senado; o artigo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, publicado na íntegra no blog do Noblat, e a entrevista do presidente do DEM, senador José Agripino Maia (RN) ao Congresso em Foco. Nas três, há mais pontos em comum que divergências. Principalmente, a constatação de que a oposição, durante a era Lula, diante da imensa popularidade conquistada pelo ex-presidente, achou que o caminho era escamotear as suas diferenças e reforçar pontos de contato com o que falava e fazia o governo. Nada mais errado e tolo. Para quê mudar, se não havia diferença?
Nas três manifestações, o que mais ressalta é a tese de que os partidos de oposição têm de recuperar e reforçar suas bandeiras originais, e construir um discurso alternativo ao do governo a partir disso. Aécio fez o elogio dos governos anteriores a Lula, que faltou no discurso e na campanha de José Serra. O maior equívoco das oposições foi o de haver posto à margem as mensagens de modernização, de aggiornamento do país, escreveu Fernando Henrique. O partido que tem uma bandeira, uma linha ideológica muito nítida, de repente em vez de dar ênfase absoluta à defesa das suas teses, colocou na frente os interesses dos seus líderes, disse Agripino ao Congresso em Foco.
Parece até óbvio: para ser alternativa, um partido precisa primeiro realmente se apresentar como alternativa. A intimidação, que vinha do crescimento do fenômeno popular que foi Lula, parece ter diminuído com o estilo mais discreto de Dilma Rousseff. A constatação de que é preciso se diferenciar das teses do governo parece clara. E parece claro também quais são as ideias que os partidos de oposição devem reforçar ao demarcar essas diferenças: máquina estatal mais enxuta, não aparelhamento do Estado, intervenção menor na economia. Vai colar? Se o governo perder o controle da inflação e a economia degringolar, pode até colar. Mas para que alguma coisa na oposição cole, é preciso que internamente os partidos se entendam e estabeleçam uma convivência mínima.
Aécio fala, mas sabe que a qualquer momento pode levar uma rasteira de Serra. Fernando Henrique escreve, mas explicita coisas que deviam ficar no máximo numa discussão interna (sugerir que o partido esqueça o povão para explorar a classe média pode até fazer sentido como estratégia não declarada, mas, assumida publicamente, parece algo extremamente elitista). Agripino pede que as questões particulares dos líderes do DEM sejam postas de lado, mas elas, na prática, não são, e o partido vai perdendo gente para o PSD.
Enfim, se os partidos de oposição já parecem ter uma certeza de por onde devem ir, parece meio ridículo que eles fiquem brigando para estabelecer com qual pé é que vão dar o primeiro passo.
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