Claudenir Brito Pereira *
Embora a forma mais visível da corrupção seja aquela que envolve a má utilização de recursos públicos, é importante lembrar que as pequenas falhas éticas com as quais nos deparamos diariamente, como “colar em provas”, “comprar produtos falsificados”, “não cumprir todo o expediente para o qual foi contratado”, “apresentar atestado médico falso” e “bater ponto pelo colega de trabalho”, também devem ser tão repudiadas quanto “desviar a verba da merenda escolar”.
Pesquisa de 2012 da ONG Transparência Internacional mostra que o Brasil é o 69° colocado no ranking de percepção da corrupção, composto de 176 nações. A nota do país é 43, em uma escala de 0 a 100.
Dados dessa mesma ONG, somados a projeções da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), estimam que, de 2005 a 2011, R$ 70 bilhões podem ter sido perdidos anualmente, somente no Brasil, em face da corrupção.
Essa percepção generalizada de que a corrupção é endêmica e faz parte de nosso meio nos leva a uma série de dificuldades na criação de projetos de longo prazo, adiando a consolidação de uma agenda de desenvolvimento social positiva no país, em todas as esferas de governo.
Além disso, uma alta percepção da existência da corrupção nos faz crer cada vez mais na necessidade de uma reforma política profunda no país, visto que parte das justificativas para os atos corruptos giram em torno do financiamento das campanhas eleitorais.
Na ponta da linha da Administração Pública, pode-se encontrar o ambiente propício para se colocar em prática acertos pouco republicanos quanto à utilização de recursos públicos, tanto na realização de despesas licitáveis – como a contratação de obras e serviços – quanto nas não licitáveis, como, por exemplo, nos programas de distribuição de renda.
Se considerarmos apenas as despesas licitáveis, podemos observar uma série de atitudes com vistas a fraudar os procedimentos licitatórios, tanto com a atuação de servidores quanto nos praticados exclusivamente por participantes dos certames, interessados em fazer dos processos licitatórios meras encenações com final previamente conhecido.
Embora já exista uma atuação forte dos órgãos de controle, como a Controladoria-Geral da União, o Tribunal de Contas da União, o Ministério Público Federal e o Departamento de Polícia Federal (PF), na tentativa de coibir essas irregularidades, ainda encontramos grande dificuldade em reduzir os desvios de recursos, seja pelas limitações inerentes ao próprio controle realizado, seja pela constante evolução das técnicas de fraude.
Dados da CGU indicam que mais de 60% das constatações apontadas nas ações realizadas de 2011 a 2013, em conjunto com a PF e o Ministério Público (Federal ou Estaduais), dizem respeito ao direcionamento ou à montagem de processos licitatórios.
Em relação ao direcionamento, as fraudes mais comuns são aquelas que apresentam cláusulas restritivas, acertos prévios, fracionamento da despesa e simulação de dispensa ou inexigibilidade de licitação.
Na montagem dos procedimentos, é comum o descumprimento das formalidades do Art. 38 da Lei de Licitações e a existência, no processo, de assinaturas ou certidões falsificadas, dentre outras irregularidades.
De qualquer modo, mais importante do que os métodos utilizados ou os motivos alegados, é o fato de que a corrupção na execução da despesa pública acarreta drástica redução da eficácia dos programas de governo implementados, cujos recursos acabam não sendo aplicados em suas destinações.
Os auditores públicos se deparam com esses problemas diuturnamente, mas seus recursos de atuação são, via de regra, limitados. Cabe à sociedade ampliar seu interesse na fiscalização dos atos daqueles que a representa, e exigir cada vez mais uma atuação transparente e ética, uma vez que ela será a principal prejudicada quando não receber serviços públicos de qualidade.
Recentemente, a CGU criou e implementou nas redes sociais a Campanha “Pequenas Corrupções – Diga Não”, que teve como objetivo principal a conscientização dos cidadãos para a “necessidade de combater atitudes antiéticas – ou até mesmo ilegais –, que costumam ser culturalmente aceitas e ter a gravidade ignorada ou minimizada”.
Essa atuação conjunta – governo e sociedade – nos faz acreditar que os grandes atos de corrupção se originam nos pequenos atos, e esta ação nos devolve a esperança de que aqueles que defendem que a corrupção faz parte da nossa índole estejam errados, pois acreditar nisso seria apostar na falência de nossa sociedade e conformar-se com tal hipótese. Na verdade, temos desvios éticos individuais que, como tais, podem ser perfeitamente combatidos de forma individual.
Em tempo: a campanha “Pequenas Corrupções – Diga Não” foi um sucesso. Segundo o site da CGU, em fevereiro de 2014, havia alcançado 10 milhões de usuários no Facebook – uma sinalização extremamente positiva do interesse da sociedade brasileira.
* Auditor-chefe da Auditoria Interna do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). É analista de Finanças e Controle da Controladoria-Geral da União (CGU) e oficial da reserva do Exército brasileiro. Professor de Auditoria em cursos de MBA no Centro Universitário do Distrito Federal (UDF), é membro efetivo do Instituto dos Auditores Internos do Brasil e da Comissão de Coordenação de Controle Interno do Poder Executivo Federal. Co-Autor da obra “Auditoria Privada e Governamental“ (Editora Elsevier, 2013).”
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