As 15 letras da palavra “desenvolvimento” tendem a torná-la avantajada demais para os padrões dos títulos de veículos jornalísticos, nos quais ela costuma ser objeto raro. Mas a sua comprida cauda em nada impede que ela apareça com destaque em lugares onde em geral soa bem: documentos oficiais, estudos técnicos, pronunciamentos políticos etc. Ela adorna diretrizes de políticas públicas, dá nome a teorias econômicas, e está num dos primeiros artigos da Constituição Federal. O artigo 3º estabelece que “garantir o desenvolvimento nacional” é um dos “objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil”.
Em seu discurso de posse, Dilma Roussef usou o termo “desenvolvimento” sete vezes. Em outras seis, utilizou quatro expressões dele derivadas – “desenvolvida”, “desenvolvidas”, “desenvolvido” e “desenvolvendo”. E afirmou que “pela primeira vez o Brasil se vê diante da oportunidade real de se tornar, de ser uma nação desenvolvida”.
O que Dilma diz é o mesmo que se lê em publicações internacionais, se ouve em conversas com quem acompanha a economia global e que transpira dos sentimentos da maioria dos brasileiros. Num mundo em que Europa e Estados Unidos prosseguem às voltas com graves dificuldades econômicas, o Brasil – que, segundo algumas projeções, alcançará este ano o posto de sétima economia global – virou para muitos a grande aposta para as próximas décadas, a estrela maior entre os Bric’s.
Crescendo a taxas inferiores às da China e da Índia, argumentam os brasófilos, o país estaria mais próximo que as duas de um estágio superior de desenvolvimento por bater de longe a primeira na consolidação de valores democráticos e por estar bem menos distante que a segunda da superação da miséria e da fome. Em relação à Rússia, as comparações favorecem o Brasil nos quesitos democracia, ritmo de crescimento e… incrível… até no nível de contaminação das relações públicas e privadas causadas pela corrupção.
Internamente, o já não tão jovem “país do futuro”, consciente das conquistas obtidas nas últimas décadas (desde 1993, com o governo Itamar Franco), vê-se na iminência de encontrar um destino que, fomos ensinados a acreditar desde criancinha, sempre lhe pertenceu de direito. O velho clichê nos cai agora como uma luva: “somos a bola da vez”.
Mas, afinal, o que falta para o Brasil se transformar em um país desenvolvido? Acima de tudo, sabemos todos, falta reduzir as profundas desigualdades sociais e regionais existentes entre nós, de modo a garantir ao conjunto da população condições aceitáveis de vida. Como chegar lá sempre foi o nosso drama. Não sei você, eu não acredito que o caminho passa por revoluções tradicionais, sejam elas de inspiração marxista ou burguesa. Acredito mais em reformas pontuais, embora articuladas entre si, que estabeleçam novos patamares de convivência social. Sim, é uma visão que você pode chamar de reformista.
Talvez movido pelos ventos esperançosos deixados pelas férias recém-encerradas, eu me arrisco a dividir com você algumas coisas que penso sobre a possível rota nessa direção. Ela passa pelo embarque (pra valer) na sociedade do conhecimento; pela acentuada melhora dos serviços prestados pelo Estado, em quase todas as áreas; e, o mais difícil, pela instituição de novos valores de convivência social, sobretudo entre os agentes públicos e a sociedade.
Nosso panorama é desolador no campo da difusão do conhecimento, do grau de especialização da mão de obra e da inovação científica e tecnológica. De acordo com indicadores internacionais, estamos atrás de várias nações em desenvolvimento na área de educação, que atinge níveis de qualidade vergonhosos no sistema público e bem abaixo do razoável mesmo na grande maioria dos estabelecimentos privados, aos quais recorrem aqueles que podem pagar por um ensino supostamente melhor.
Perto de 60% da população brasileira está fora do mundo digital, que é o que realmente importa hoje, pois é nele que as informações circulam com mais rapidez, encontram-se as maiores e melhores oportunidades de acesso ao conhecimento e estão disponíveis várias das ferramentas necessárias para a formação profissional de excelência. E é baixo o investimento público e privado em pesquisas científicas e no desenvolvimento tecnológico.
Superar esse quadro, aproveitando plenamente a criatividade e a capacidade de trabalho dos brasileiros, exigirá políticas eficazes de difusão e democratização do conhecimento científico e tecnológico, o incentivo à formação de talentos de padrão internacional e a formação de ilhas de excelência nas universidades públicas e privadas. O capital humano mais preparado das melhores instituições de ensino poderia ser colocado a serviço tanto do aumento da eficiência da máquina estatal quanto, a exemplo dos Estados Unidos, do desenvolvimento tecnológico das mais competitivas e capazes organizações privadas. Também é preciso diminuir impostos sobre a importação de bens fundamentais para a conquista de um novo patamar científico e tecnológico (computadores, softwares, celulares, tablets, equipamentos de última geração) e criar núcleos de formação de novos talentos, desde a infância, tanto nas áreas científica e tecnológica quanto nos campos da cultura e do esporte.
Há muita coisa a fazer no campo da melhoria dos serviços públicos. Os serviços de saúde são em geral caóticos no sistema público e extremamente caros – e, ainda assim, com frequência deficientes – nos estabelecimentos privados. O transporte público é de baixíssima qualidade em praticamente todos os aspectos: disponibilidade, preço, conforto, efeitos ambientais, tráfego, atenção aos segmentos da população carentes de atenção especial (portadores de deficiência, idosos, gestantes etc.). Temos um sistema de segurança pública corrupto e ineficiente, que continua fazendo do Brasil um dos campeões mundiais em criminalidade e violência. É lamentável a infraestrutura em áreas essenciais, como saneamento, telecomunicações, rodovias e ferrovias. É reduzida a oferta de oportunidades de acesso à cultura, ao lazer e ao esporte, principalmente para as populações mais pobres. E a recente tragédia na região serrana do Rio demonstrou a criminosa irresponsabilidade de autoridades que erram na ação, ao manterem deploráveis serviços de prevenção de desastres e de defesa civil, e na omissão, ao serem coniventes com a ocupação desordenada de encostas.
Finalmente, vêm os grandes desafios a serem superados no plano institucional, legal e político. A sociedade precisa pactuar novas regras de convivência, seja entre os seus integrantes, seja entre eles e os agentes do Estado. A corrupção, o clientelismo, o tráfico de influência, a hipocrisia alcançaram patamares que não condizem com o de uma nação que se pretenda moderna, produtiva e justa.
Grande é o trabalho a ser feito nesse terreno. Abusos como o aumento de 62% que os parlamentares federais se autoconcederam no final do ano passado demonstram que a sociedade precisa aumentar o controle sobre os funcionários do Estado – eleitos ou não. A cidadania, diretamente ou por meio de instituições organizadas voluntariamente e da imprensa, deve dispor de mecanismos mais efetivos para fiscalizar a ação de agentes públicos e a execução dos orçamentos estaduais, municipais e federal. Serão bem-vindos, por exemplo: maior transparência na atuação dos organismos encarregados de fiscalizar os gestores públicos (Ministério Público, tribunais de contas, Controladoria-Geral da União etc.); eficiência do sistema judiciário para punir os integrantes das elites políticas e econômicas envolvidos em roubalheiras contra os cofres públicos; o fim do financiamento privado das eleições, fonte primeira do mar de lama em que se atiram os maus políticos; proibição de segredo de justiça para inquéritos judiciais e ações penais contra representantes eleitos e agentes do Estado; a exclusão da vida pública de quem, comprovadamente, cometeu crimes no exercício do mandato popular.
Uma parte importante da adoção de novas regras de convivência é a reforma tributária. O seu papel principal deve ser a redução do peso dos impostos sobre a população mais pobre, as áreas estratégicas e os bens e serviços essenciais. Nossa estrutura tributária é, sabidamente, regressiva (tributa mais quem tem menos). Injusta, portanto. Ao mesmo tempo, é complicada e burra. Simplificar as regras tributárias, desburocratizar sua aplicação e reduzir a carga imposta aos cidadãos irão liberar energias para a nação crescer de modo mais consistente. De tabela, isso contribuirá para diminuir a informalidade e estabelecer relações mais honestas entre o Estado e os contribuintes.
Claro que é considerável o esforço a ser feito, também, na transformação do comportamento de todos nós, cidadãos. Menos jeitinho e mais solidariedade (inclusive com outros povos). Menos farinha pouca, meu pirão primeiro e mais confiança na troca de experiências e no trabalho coletivo. Uso racional dos recursos naturais, sempre! Jamais percamos de vista que só pode ser chamado de desenvolvimento aquilo que melhora as condições presentes sem comprometer a qualidade de vida das gerações futuras. E, lógico, menos paternalismo. Por mais eficiente que seja um Estado, quem faz de verdade uma nação são as pessoas que nela vivem. Nesse pedaço Vandré tinha razão: quem sabe faz a hora. Bom astral e vocação para a alegria e a superação os brasileiros já têm. É fundamental que eles se importem mais uns com os outros, cultivem laços de afinidade e carinho e trabalhem mais seus interesses como grupo.
Levo meu sonho adiante imaginando que as ações nas três frentes (ingresso pra valer na sociedade de conhecimento, melhoria radical dos serviços públicos e adoção de novos padrões de convivência social) poderiam ser lubrificadas por sistemas integrados de planejamento. Reunindo por meio de fóruns e outros mecanismos tanto órgãos públicos (federais, estaduais e municipais) quanto instituições privadas, especialistas e cidadãos interessados poderiam pensar o país e suas necessidades no longo prazo de modo a definir cronogramas e metas em áreas específicas: educação, saúde, ciência e tecnologia, segurança pública, cultura, transportes etc. O “Conselhão” criado por Lula foi um passo positivo nesse rumo. Por que não repetir a experiência nos estados? Dá, no entanto, para aprimorar significativamente a coisa. Por exemplo, estabelecendo metas e critérios para avaliar o cumprimento dos objetivos e aferir o grau de satisfação da população com os resultados alcançados.
Vai aí minha última viagem. Que meçamos nosso progresso não por meio dos números frios de indicadores como PIB, renda per capita etc. Mas apurando algo de identificação mais problemática, embora bem mais relevante: se estamos ou não nos sentindo mais felizes.
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