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Paulo Kramer *
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Poucas atitudes há tão antipáticas quanto a mania de quem adora tripudiar sobre os percalços alheios disparando, em tom triunfalista, frases do tipo “Eu bem que avisei… não ia dar certo!”, “Não falei que você ia quebrar a cara?…”. Para mim, pelo menos, é muito difícil resistir a essa tentação quando vejo o governo Lula, a cada passo, cutucado pelos mastros das mesmas bandeiras que os petistas desfraldavam com fúria inquisidora há pouco mais de dois anos. Lembro que, em maio de 2001, a companheirada se esganiçava exigindo uma “CPI do Eduardo Jorge” contra o governo Fernando Henrique Cardoso. Uma tarde, tocou o telefone do escritório. Era do Correio Braziliense, à época comandado pelo jornalista pernambucano Ricardo Noblat, conterrâneo e velho amigo do ex-governador e hoje senador Cristovam Buarque (PT-DF). O jornal me pedia um pequeno artigo, para a edição de domingo, sobre os conflitos entre a ‘porção científica e a porção política’ na alma do presidente-sociológo, contra o pano de fundo daquela escalada de denúncias ao som do refrão “fora FHC!”. Entreguei meu texto pontualmente, mas, por algum motivo que até hoje ignoro, o artigo não saiu nem naquele nem em domingo algum. Aproveito agora para submeter meu raciocínio e minhas conclusões da época ao crivo dos leitores do Congresso em Foco, requentando-os no calor da hora presente. Se, de um lado, previ corretamente que “quem hoje em tudo enxerga pretexto para clamar por impeachment” de FHC, agitando argumentos os mais variados – “de um dossiê falso a uma crise energética bem real – poderá amanhã ver-se na mesma situação”, de outro, errei ao duvidar que um governo Lula não teria, no Congresso Nacional, maioria “capaz de moderar o impacto destrutivo da radicalização banalizada”. Não tenho a menor dúvida, porém, de que essa banalização volta-se agora contra os banalizadores. Construí o rationale do artigo em torno da dicotomia “ética da responsabilidade/ética da convicção”, formulada pelo sociólogo alemão Max Weber, um dos gurus declarados de Fernando Henrique, ao lado do francês Alexis de Tocqueville, do escritor e político pernambucano Joaquim Nabuco, do historiador paulista Sérgio Buarque de Holanda e do cientista social Florestan Fernandes, seu grande mestre na USP. Mas, afinal, o que Weber disse exatamente sobre o papel dessa ética nas relações política-ciência? A síntese de suas reflexões a esse respeito encontra-se em duas palestras a um público universitário de Munique, no início de 1919: “A ciência como vocação” e “A política como vocação” (incluídas na coletânea de Hans Gerth e C. Wright Mills, “Max Weber – ensaios de sociologia”, várias edições). Em “A política…” Weber sustenta que, enquanto o crente religioso, o profeta ético, o revolucionário e mesmo o cientista, votado à busca da verdade, orientam-se por uma “ética de convicção” afirmadora de valores na base do doa-a-quem-doer, cabe ao político democrático adotar uma “ética de responsabilidade”, preocupada com as conseqüências do atrito entre os seus ideais e as exigências e contingências do mundo real. Três ingredientes, portanto, comporiam uma genuína vocação política, na visão weberiana: paixão, senso de realidade e disposição para assumir integral responsabilidade pelos acertos e erros, sucessos ou fracasso das próprias decisões, ações e omissões, perante o tribunal da opinião pública. Não é à toa que Weber ficou conhecido com o Maquiaval de Heidelberg (importante universidade alemã onde lecionou). A essa altura, vale lembrar também um outro pensador político e historiador das idéias dos mais eminentes do século XX: o leto-britânico Isaiah Berlin, de Oxford (1907-1997). No ensaio “Discernimento político” (publicado em “O sentido da realidade”, Civilização Brasileira), sustenta Berlin que a política, na prática, pouco tem a ver com ciência positiva e muito com arte sutil, concluindo que o superior preparo intelectual do príncipe não é condição suficiente para assegurar seu sucesso na vida pública. Da mesma forma, acrescento eu, origem proletária e passado de preso político não asseguram a ninguém o monopólio da ética, como estão a demonstrar os escândalos Waldogate, Ágora, aparelhamento partidário da máquina administrativa e muitos outros que o futuro se encarregará de revelar. Na seqüência do tal artigo, aconselhei os líderes petistas a revisitarem as páginas nas quais Weber enaltece a prudência em nome da ética da responsabilidade. Quem sabe se, muito em breve, eles não precisariam desses ensinamentos? Os leitores que me perdoem, mas eu bem que avisei! |
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