Antonio Brasil*
Era mera questão de tempo. A luta pela liderança entre as principais redes de TV brasileiras finalmente chegou aos telejornais. E pelas manchetes do noticiário essa guerra ainda vai render muitas baixarias e está só começando:
* Globo e Record voltam a se atacar em seus telejornais
* Maiores emissoras de TV entram em guerra no horário nobre
* Caso Edir Macedo gera “guerra” entre Globo e Record
* Denúncia do MP-SP contra Edir Macedo é mote para guerra midiática
* O “outro lado” da Globo é exposto
* Democracia nunca foi o forte da Globo, ataca Record
Corrida presidencial
Nos últimos dias, a TV Record e a TV Globo utilizaram seus principais telejornais para trocar acusações.
O Jornal Nacional divulgou uma reportagem sobre as investigações do Ministério Público contra a cúpula da Igreja Universal. O telejornal líder em audiência também colocou no ar imagens de 1995 do bispo Edir Macedo ensinando pastores a convencer fiéis a doar dinheiro.
Em resposta, a Record divulgou matérias que acusam a rival de fazer uma cobertura que não passa de um “ataque direto e desesperado” de quem tem medo de perder “o monopólio dos meios de comunicação no Brasil”.
Questionado sobre os ataques da Globo, o bispo disse em outras oportunidades que iria “cutucar o fígado” da concorrente “até cair”.
A reportagem também afirmava “não ser novidade que a família Marinho usa a televisão para seu jogo de interesses” e que “o poder da família Marinho teve origem na ditadura militar”.
Também de acordo com a emissora paulista, a Globo “ataca a Record” por causa da queda da audiência. Pelos números apresentados, a Globo perdeu cerca de dez pontos de share entre 2004 e 2009, enquanto a Record cresceu quase oito pontos.
Mas não se deixe enganar. Por trás dessa troca dos índices de audiência e velhas acusações há muitos interesses em jogo.
O futuro da democracia no país ou pelo menos, a corrida para as próximas eleições presidenciais já começou na TV.
Interesses privados
Mas para que serve a concessão de uma TV no Brasil? Qual seria o verdadeiro objetivo de se produzir telejornais em nossas emissoras de TV?
Segundo a legislação vigente, TV é uma concessão pública e a produção jornalística é prestação de serviços obrigatória. O grande problema, no entanto, é regular e monitorar o conteúdo dessas emissoras. Qualquer outra concessão pública admite e acata as decisões de órgãos fiscalizadores. As TVs brasileiras e seus padrinhos poderosos se consideram sempre acima de qualquer controle.
Não há no Brasil uma agência reguladora que monitore os serviços prestados pelas nossas emissoras de TV. Temos agencias que fiscalizam o petróleo, a aviação, os transportes, mas as redes de TV insistem na auto-regulamentação, ou seja, no vale tudo.
Mais difícil ainda é definir, monitorar e avaliar os programas jornalísticos. Qualquer crítica ou comentário é classificado como interferência ou censura. Televisão no Brasil e seus telejornais se tornaram território livre campanhas de interesse das próprias empresas. Os interesses do telespectador se tornam sempre secundários. O modelo de gestão das nossas TVs ainda é muito parecido com o modelo das capitanias hereditárias. O passado ainda é determinante no presente e no futuro das redes de TV brasileiras.
Calcanhar de Aquiles
Conhecemos bem o passado da Globo. Não há muitas novidades nas acusações da Record. Outras redes de TV já denunciaram sua cumplicidade com a ditadura, os recursos provenientes do acordo Time Life e as campanhas contra outras celebridades como Chico Buarque, o governador Brizola, Fernando Collor ou o próprio presidente Lula. Pelo jeito, agora é a vez de utilizar as armas do JN contra o polêmico bispo Macedo da Igreja Universal. Mas todos sabemos que o verdadeiro objetivo é atacar a rede rival, a Record.
Também conhecemos a longa parceria religiosa e financeira entre a Igreja Universal e a TV Record. Nenhuma novidade. Mas o que ambas as redes de TV possuem em comum é a capacidade de sobreviver a todas as acusações.
No passado e no presente, todas as acusações na justiça contra a Globo foram misteriosamente arquivadas ou esquecidas. O mesmo se espera das acusações contra a TV Record da Igreja Universal.
Com altos investimentos, muita ousadia e pouquíssima criatividade a Record tem obtido bons resultados de audiência. Copiar a liderança sempre rende bons resultados. Nos seus primeiros anos, a Globo também copiou ou importou os melhores programas das redes norte-americanas e da rede líder, a Excelsior.
Guerra nos telejornais
Agora chegou a hora de a Record enfrentar a Globo no segmento da programação mais importante e mais vulnerável: os grandes telejornais.
A Record gastou muito dinheiro em contratações milionárias, preparou telejornais com cenários e linguagem semelhantes aos da arquiinimiga e esperou os primeiros ataques para fazer o que sempre quis fazer: aproveitar a oportunidade e expor o passado da Globo.
O poder da TV, acrescido do poder do dinheiro, da política e da religião, tende a superar poder da justiça no Brasil. Principalmente às vésperas de eleições presidenciais. E isso não é mera coincidência ou produto do acaso!
Assim como a Globo no passado, a rede do bispo se preparou para enfrentar a liderança e os ataques da emissora líder. Agora chegou a hora da verdade, ou, melhor dizendo, chegou a hora da grande batalha. As eleições de 2010 estão chegando e os principais telejornais brasileiros se preparam para jogar pesado. O futuro dessas empresas depende do resultado das eleições.
Uma nova Globo?
A Record não esconde de ninguém que quer ser a nova Globo e que está disposta a enfrentá-la numa guerra pelo futuro da TV brasileira. Só há lugar para uma grande rede e eles querem esse lugar.
Nossas redes de TV se tornaram feudos poderosos que decidem nosso futuro. Não há controle de qualidade de seus conteúdos. Há somente a possibilidade de denuncias na justiça e total indiferença com as críticas.
O campo da luta está restrito às duas grandes redes de TV. As outras emissoras, infelizmente, não participam dessa luta. Bandeirantes e SBT estão sempre satisfeitas com as sobras dessa guerra. Não ousam lutar pela liderança.
E as TVs públicas? Elas poderiam ser a alternativa para o público na guerra dos telejornais. Mas continuam muito mais preocupadas em garantir bons empregos para os amigos dos amigos. Muita política, pouca produção televisiva e pouquíssima. Não precisam prestar contas de nada a ninguém. Melhoria na programação e luta pela liderança são metas para um futuro utópico que nunca vai chegar. Mas que não faz qualquer diferença. Os empregos são quase vitalícios, os salários estão sempre em dia e os aumentos são garantidos pelas constantes ameaças de greve.
Baixaria continua
Sem alternativas para o telespectador, a guerra de baixarias na TV continua. Como em todas as guerras, a primeira vítima é a verdade. Mas quem mais perde é o público. Ao invés de prestar os serviços obrigatórios em contrato de concessão pública firmado com a sociedade brasileira, as duas maiores redes de televisão do país estão mais preocupadas em defender seus próprios interesses.
E pelo jeito a guerra continua. No Fantástico desse domingo o jornalismo da Globo continua a dar destaque às denuncias do Ministério Público. A Record, por outro lado, rebate as acusações da Globo no Repórter Record e promete expor ainda mais o passado da emissora líder.
Os próximos capítulos da guerra dos telejornais ainda mais acusações e denúncias. Triste é o país que tem que escolher entre o passado e a liderança da Globo e as ameaças e o futuro da Record.
Ou parafraseando o bem-humorado jornal argentino Olé no dia do jogo Brasil x Inglaterra na Copa de 2002, nesta guerra entre a Globo e a Record: “Que percan los dos!”.
*Jornalista, doutor em Ciência da Informação, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e colaborador do Observatório da Imprensa.
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