A expropriação dos direitos (do trabalhador, do consumidor, humanos) é uma das, senão a mais importante das proposições do neoliberalismo voraz que prossegue devorando o planeta. Tais políticas têm péssimas consequências a médio e longo prazo, consequências fatais aos governos que as aplicam. Contudo, o vírus da democracia (mesmo a neoliberal) a liberdade de reivindicar seus próprios direitos e escolher seus dirigentes é mais poderoso e no melhor de todos os sentidos: as agitações populares que agora incendeiam quase todo o Oriente Médio são um excelente exemplo disso.
Começou na América Latina, com a ascensão e consolidação de governos progressistas, legitimamente eleitos, no Brasil, Argentina, Bolívia, Venezuela, Equador: precisamente por ter sido o laboratório inicial das políticas neoliberais, a AL se tornou seu elo mais frágil. Este ano, nos Estados Unidos, os protestos para o retorno à população dos direitos expropriados ao Estado pela política de vudu de governos rentistas que começaram em Madison, Winsconsin, já se estendem por vários estados do país. Então, explodem as revoltas árabes: Egito, Líbia, Bahrein.
Em artigo para The Independent, o jornalista Robert Fisk comenta que o terremoto das últimas cinco semanas no Médio Oriente foi a experiência mais atordoante da história da região desde a queda do Império Otomano. Agora, botando tudo entre as aspas da ironia: São inúmeras as potências árabes que alegam sempre ter almejado a democracia no Médio Oriente. O rei Bashar da Síria vai melhorar os salários dos funcionários públicos. O rei Bouteflika da Argélia apressou-se a declarar o fim do estado de emergência no país. O rei Harmad do Barhrein abriu as portas das suas prisões. O rei Bashir do Sudão afinal já não se vai recandidatar ao lugar de presidente. O rei Abdullah da Jordânia estuda a hipótese de uma monarquia constitucional. E a Al Qaeda tem-se mantido bastante mais silenciosa. Tivemos muitos mártires no mundo muçulmano, mas não há uma só bandeira islâmica à vista. Os jovens que querem pôr um fim ao tormento das ditaduras podem até ser muçulmanos, mas o espírito humano é maior do que o desejo de morrer. São fiéis, sim, mas primeiro vieram aqui derrubar Mubarak, enquanto os seguidores de Bin Laden ainda continuam a clamar em vídeos completamente fora de moda.
Samir Amin, economista e intelectual egípcio de projeção mundial, em entrevista à Carta Maior, observa que a queda de Murabak não foi surpresa, afinal, anos de crescimento econômico elogiados pelo Banco Mundial só serviram a um grupo minúsculo de egípcios, além do que a repressão policial era crescente e brutal. Tinha que explodir. E explodiu. E foi dos jovens politizados – fora da esquerda tradicional – a vanguarda da revolução que derrubou a ditadura egípcia. Ele faz também uma leitura crítica do Fórum Social Mundial, no qual os principais movimentos e lutas não estavam presentes.
Era esperado, tinha que acontecer, afirma Amin, porque o regime, por 15, 20 anos, fez crescer gigantescas desigualdades. O Banco Mundial vinha elogiando altas taxas de crescimento no Egito, de 5%. Mas esse crescimento foi parar nas mãos de menos de 1% da população do país. E a pauperização estava aumentando junto com essas altas taxas de crescimento. E isso não podia se manter sem um regime cada vez mais ditatorial. Como vocês tinham no Brasil, no tempo da ditadura. Uma ditadura muito brutal do Exército, com torturas e tudo mais. E tudo isso apoiado pelo Ocidente, pelos EUA, pelos europeus. Completamente e sem restrições. Mas isso tinha que explodir. E explodiu.
No movimento egípcio existem alguns componentes importantes: é constituído por jovens altamente politizados, educados, semi-educados e com acesso aos meios de comunicação – internet e afins. Politizados à esquerda, mas fora dos partidos de esquerda tradicionais – no caso do Egito, de tradição comunista. Eles começaram o movimento e não são uma pequena organização, são um milhão. Quando convocaram a manifestação, três, quatro horas depois, em todo Egito, em todas as cidades, Cairo, Alexandria, 15 milhões de pessoas estavam na rua. O que significa que o chamado desses jovens teve enorme e imediato efeito em todos os níveis populares.
Ainda segundo Amin, estes jovens não são necessariamente críticos radicais do capitalismo, mas não aceitam esse capitalismo que leva à pauperização. Nos cartazes, lia-se “Banco Mundial e FMI vão para o Inferno”, “EUA e aliados vão para o inferno, nós não os queremos”, “Somos um país independente e queremos tomar nossas decisões. Se vocês gostam ou não, o problema é de vocês e não nosso.”
E a estratégia dos EUA? Para ele, Obama não é melhor que Bush, esqueçam isto. Obama é a continuação de Bush. A estratégia dos EUA é manter o sistema, com os militares por trás, fazer algumas concessões talvez de ordem democrática, e reforçar a aliança com a Irmandade Muçulmana, para com isso isolar a esquerda. É o anti-imperialismo ianque que une todos estes movimentos.
Indo ao cerne da questão: os jovens do mundo inteiro cansaram de não ter futuro algum.
Porque as rebeliões, os levantes, estão sendo feitos por eles, pelos jovens entre vinte e trinta anos. E como o PIG é mundial, tais fatos não estão sendo divulgados com o destaque que deveriam. A respeito, assistam Zona Verde com Matt Damon, passando na tevê a cabo e, claro, se puderem, Inside Job (Trabalho Interno) , o documentário dirigido por Charles Ferguson, premiado com o Oscar deste ano, também com Matt Damon.
No mais, Obama vem aí.
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