O ar em Brasília está sufocante. A cidade do céu azul está cinza. Com a baixa umidade, em nível de calamidade pública, o ar seco e poluído pelas queimadas no Planalto Central está batendo recordes de mal estar. Até mesmo para os nativos do cerrado, a seca parece incomodar mais neste ano. E, se os cidadãos brasilienses, que podem sair correndo, estão incomodados, imagine os jabutis.
Nos últimos dias, centenas de jabutis morreram nos arredores de Brasília. Uma das mais graves causas foi o incêndio que começou no último fim de semana. De olho na rebrota da vegetação para pastagem, um fazendeiro na região de Sobradinho ateou fogo em uma área de cinco hectares e acabou causando um incêndio que já atingiu mais de 40 mil hectares do cerrado.
Até a tarde de ontem (8), o fogo ainda não havia sido totalmente controlado pelos bombeiros. Mas a extensão atingida pelo incêndio já equivalia a mais de 56 mil campos de futebol. Entre as propriedades atingidas, está a maior área particular preservada do Distrito Federal, a reserva ecológica Chapada Imperial.
Localizada a cerca de 50 km de Brasília, a reserva é um exemplo de como aliar economia e ecologia. Além de paraíso do ecoturismo, a fazenda desenvolve projetos de educação ambiental, de soltura de animais silvestres, de produção agroindustrial de geléias, licores, queijos feitos pela comunidade local e outros projetos.
A chapada é um dos principais pontos para onde o Ibama leva bichos apreendidos pela polícia que combate o tráfico de animais silvestres. Somente neste ano, foram trazidos para o local mais de 300 jabutis apreendidos. Na reserva, os animais são reintegrados à natureza. Esse processo garante, entre outras coisas, a preservação de espécies em extinção, como tamanduá-bandeira e lobo-guará.
Com o incêndio, estima-se que, dos 300 soltos ali, menos de 20 jabutis devem restar na Chapada Imperial. Um dos que conseguiu se salvar foi o “vovô”, um jabuti de 70 anos que foi resgatado pelos trabalhadores da reserva. Segundo um dos proprietários da chapada, o fogo atingiu mais de 90% dos 4,8 mil hectares da reserva. Uma perda de biodiversidade incalculável.
E quem paga o prejuízo dessa conta ambiental? Todos nós. Ainda que os responsáveis por tais incêndios digam “danem-se os jabutis”, a poluição e o agravo da seca são sentidos por todos, inclusive pelos menos sensíveis às causas dos animais silvestres. O incêndio que atingiu a Chapada Imperial, um dos mais duros do ano, é mais um exemplo de posturas irresponsáveis que ainda são tomadas por aqueles que ateiam fogo sem pensar nas consequências.
O fogo faz parte do ciclo natural do cerrado e a chapada, que ainda assim segue imperial, vai se recuperar. Mas incêndios recorrentes acabam com a diversidade da fauna e impedem, ao longo dos anos, a regeneração da vegetação. E os jabutis, coitados, são figuras emblemáticas nesse cenário de queimadas. Esses bichos têm capacidade de locomoção muito inferior à velocidade de alastramento do fogo e acabam se tornando mártires desses incêndios criminosos.
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