Martha Mercado*
A partir da década de 80 e, de modo contínuo nos anos 90, a China vem investindo intensamente no estrangeiro, em busca de recursos para seu desenvolvimento. Primeiramente, no continente africano e, mais recentemente, na América do Sul, especialmente no Brasil. Na África, mantém negócios no Sudão, Nigéria e Argélia, dentre outros. Seus investimentos são preferencialmente em minério de ferro, petróleo e commodities e, agora, na compra de terras, nas duas regiões.
Em abril de 2010, a maior estatal chinesa do setor de agronegócios, a China National Agricultural Development Group Corporation, demonstrou a intenção de comprar terras brasileiras para produzir soja e milho. Seus negociadores mostraram interesse em áreas do Centro-Oeste, especialmente de Goiás, mas também no Oeste da Bahia e possivelmente no conjunto de áreas de cerrado do Maranhão, do Piauí e do Tocantins, conhecido por Mapito. Com operações em mais de 40 países, a companhia possui quadro funcional de 80 mil pessoas, sendo que 10 mil atuam no exterior. Detém seis mil hectares na Tanzânia e tem negócios no setor de alimentos também na Guiné, no Benin e em Zâmbia, e já marca presença na Argentina e no Peru.
Outras empresas chinesas também têm comprado terras em vários países, como a Chongqing Grain Group e o Grupo Pallas International, todas com o mesmo objetivo: garantir à China as matérias-primas essenciais ao seu crescimento econômico e à urbanização de centenas de milhões de habitantes. Segundo parte dos analistas, negócios que envolvem o controle de grandes áreas por grupos subordinados a capital estrangeiro poderão agir com objetivos puramente econômico-comerciais. No entanto, observam que poderão também seguir uma lógica de Estado, o que poderia estar em rota de colisão com os interesses brasileiros.
Embora a China seja o maior parceiro comercial do Brasil e tenha investimentos anunciados na casa de US$ 29 bilhões em 2011, o governo brasileiro considera preocupante que 90% desses recursos concentrem-se em mineração, energia e commodities. A compra de terras, de maneira direta ou indireta, por empresas estrangeiras, como em Goiás e na Bahia, para produzir grãos que serão vendidos à China, também é motivo de inquietação, resultando em uma revisão da aplicação da lei. O Brasil propõe uma relação que contemple investimentos em infraestrutura e no parque industrial, visando agregar valor aos nossos produtos. Negócios como a JAC Motors, que acaba de instalar uma rede de 50 concessionárias de veículos, sem, no entanto, possuir nenhuma unidade produtiva em território brasileiro, causam ressalvas nas negociações entre os dois países.
O crescimento acelerado da economia brasileira revelou números que puseram o governo em estado de atenção. Esses demonstraram que o setor agrícola do país tornou-se um pólo de atração de investidores estrangeiros, especialmente os interessados em adquirir grandes áreas cultiváveis. De janeiro a abril de 2010, o ingresso de investimentos vindos do Exterior em agricultura, pecuária e produção florestal atingiu R$ 234 milhões, um aumento de 118% em relação ao mesmo período do ano passado. No Piauí, um dos estados que mais recebem capital externo, as terras tiveram valorização de 70% em três anos (Economia & Negócios, 11/06/2010).
Em meados de 2010, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu impor novas restrições à compra de terras por cidadãos estrangeiros. A preocupação de Lula com a internacionalização de parte do território cresceu quando ele viu relatórios da Abin (Agência brasileira de informação) sobre a extensão das terras adquiridas pelo norte-coreano Sun Myung Moon, o reverendo Moon, em Mato Grosso e no Paraguai, criando uma espécie de zona neutra na fronteira. Outro levantamento é sobre os negócios do sueco Johan Eliasch, proprietário de 160 mil hectares na Amazônia, uma parcela em parque estadual, utilizados para especular com créditos de carbono no Exterior.
Diante desse movimento, Lula assinou um parecer da Consultoria-Geral da União, restringindo a compra de terras por estrangeiros. Este documento só não foi assinado em 2008 porque o governo tentava contornar os efeitos da crise internacional e não queria inibir a entrada de dólares. Com a crise internacional, o governo ficou receoso de afugentar o capital estrangeiro, diz uma autoridade federal. Antes de ser enviado ao presidente, o parecer deve ser apreciado pela Advocacia-Geral da União nas próximas semanas (Economia & Negócios, 11/06/2010).
A regra restabelece artigos da Lei 5.709, de 1971, que impõe restrições para que estrangeiros adquiram terras. Assim, a compra de imóvel rural não poderá superar 50 módulos rurais. O módulo é o tamanho mínimo da propriedade, suficiente para garantir o sustento do agricultor e varia de tamanho em cada estado. O maior módulo rural do país é o de Mato Grosso, com 100 hectares. Nos loteamentos rurais feitos por empresas, pelo menos 30% da área terá de ser destinada a brasileiros.
As vendas para pessoas físicas e empresas estrangeiras terão de ser feitas exclusivamente por escritura pública, registrada em livros específicos dos cartórios, e ser informadas às corregedorias de Justiça nos Estados. Nas fronteiras, a compra de terra deverá passar por aprovação do Conselho de Segurança Nacional. Essas regras começaram a ser alteradas em 1994, mas o governo acabou perdendo totalmente o controle sobre terras vendidas a estrangeiros. O Incra calcula em 4,3 milhões de hectares as terras em mãos de estrangeiros, mas são dados declarados, que não incluem muitas empresas com capital externo nem terras em nome de laranjas.
*Doutora em Ciências Sociais e professora do Curso de Relações Internacionais das Faculdades Integradas Rio Branco
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