O debate acerca da temática da corrupção está contaminado pelas perguntas erradas que se fazem. Saber se a corrupção é maior, hoje, ou se se tornou mais visível porque está sendo investigada é inútil. Perguntas retóricas alimentadas pela disputa partidária, cuja resposta– impossível – não sinaliza qualquer saída para o problema, nem sequer permite o aprofundamento da reflexão, particularmente quanto à estreita relação entre governabilidade e corrupção.
No final de 2003, ainda no início do governo Lula, os auditores do Tribunal de Contas da União (TCU) travaram sua primeira batalha contra uma indicação do Senado para a substituição do ministro Iram Saraiva, que se aposentava. O escolhido, senador do PMDB, tinha admitido ter desviado recursos de um empréstimo do BNDES para empresa de sua propriedade. Tratava-se da compra de balsas para fazer transporte de passageiros na região de Belém do Pará. Ele mandou fazer pintura nova em balsas velhas para tentar comprovar o uso do recurso conforme a finalidade contratual.
Em 2014, a indicação do então senador Gim Argello (PTB-DF), também pelo Senado, para substituir Valmir Campelo, viria a ser a segunda batalha vitoriosa dos auditores. O que havia em comum nessas indicações era a acomodação de interesses políticos que, caso ofendidos, poderiam comprometer a governabilidade do país – assim me informou um assessor do PT quando daquela primeira indicação, e no mesmo sentido também se fazia uma acomodação política com Gim Argello, tendo em vista as eleições de 2014.
Nesses casos extremos, percebemos que nem mesmo o órgão que deveria ser o bastião na luta contra o mau uso do dinheiro público está livre das demandas políticas apresentadas no bojo dos acordos de governabilidade. Esses dois fatos mostram que a abordagem que se faz do tema da corrupção peca ao tratá-la como elemento exógeno que penetra as estruturas do Estado, como alienígena depravado que vem corromper o bom funcionamento institucional. A entrega dos caixas públicos para os partidos amigos, a acomodação de aliados partidários em cargos cobiçados, o uso da máquina pública para interesses partidários e pessoais é, na verdade, a alma de um modelo que fracassou, mas que não se consegue – e nem se quer – superar.
É o caso de se perguntar a Marina Silva – única candidata presidencial que trabalhou a ideia de um novo modelo de governabilidade – para que ela informe como pretendia se relacionar com o Congresso e administrar o país. Se ela não tem um modelo perfeitamente definido – e possivelmente não tenha de fato concluído uma proposta com reflexão suficientemente aprofundada – é certo, ao menos, que tenha pensado em algo mais do que a comparação entre os atoleiros e seus estragos.
Marina, pelo menos, tem em mente a pergunta correta e que remete a um novo modelo de governabilidade – primeiro requisito para se encontrar respostas para as questões prementes que nos afetam neste momento.
E se essa é a primeira pergunta – como criar um novo modelo de governabilidade que assegure um governo voltado para o interesse público – pelo menos outras duas podem, e devem, ser feitas em sequência.
A primeira seria: como deve ser o novo modelo de financiamento de campanhas eleitorais no país? Pode-se pensar o tema, como a sociedade civil já tem feito, na perspectiva de uma reforma política ampla, ou, para consumo imediato, uma reforma eleitoral que trate da questão específica do financiamento de campanhas. Essa é uma pergunta certa que já vem sendo feita, há algum tempo. Para esse caso, portanto, trata-se exclusivamente da necessidade de se encontrar a resposta certa.
A seguir, impõe-se outra pergunta, que não tem sido feita: como deve ser o novo modelo de controle no país? Isso porque a falência da estrutura de controle do Estado Brasileiro se explicitou com o chamado ‘petrolão’.
Não se trata mais de se perguntar se o modelo funciona ou não – ficou claro que não! Como explicar que o TCU e a Controladoria-Geral da União (CGU) não tenham identificado o esquema, em suas inúmeras ações de fiscalização na Petrobras ao longo de tantos anos? Ou, como justificar, que em relação às multas e débitos imputados pelo TCU, menos de 5% de fato voltem aos cofres públicos? Ou, ainda, como se podem aceitar os inúmeros problemas de desvios de recursos e má qualidade das obras nos convênios firmados pela União com municípios, estados e entre privados, que vão se avolumando ano a ano, sem perspectiva de solução? Não se trata de questões pontuais, como a normatização dos acordos de leniência no âmbito dos órgãos de controle. Trata-se da necessidade de um novo modelo de controle, visto que o atual não dá resultados no sentido de garantir que o recurso público seja utilizado conforme o interesse público.
A questão do controle passa por diversos temas de grande importância, como a própria existência de tribunais, a indicação de seus membros, as estruturas de fiscalização, a relação entre controle interno e controle externo, o modelo de prestação de contas, o momento de realização do controle em função da natureza das despesas. Temas que precisam, cada um deles, de aprofundamento e reflexão.
Entre as diversas crises que vivemos a cada dia está a nossa insistência em fazer perguntas erradas. Continuar buscando respostas para perguntas erradas nos impede de reconhecer o quão fundo é esse poço. Somos passageiros de um veículo atolado ouvindo os motoristas – o atual e o anterior – falando da imperícia do outro. Nenhum deles conseguiu fazer a pergunta mais simples: como vamos sair deste atoleiro?
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