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A votação da segunda etapa da reforma tributária, prevista para os próximos dias, será mais do que um teste para a base parlamentar do governo, após a reforma ministerial que não houve. Avaliará mais do que o comportamento do novo presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, depois que o seu PP ficou de fora do primeiro escalão do Executivo. Ela será importante para avaliar a capacidade do sistema político brasileiro de construir soluções menos provisórias para o país. Dois grandes remendos vêm segurando a onda das equipes econômicas ao longo dos últimos 10 anos. Um deles é o antigo Fundo Social de Emergência, que depois trocou de apelido para Desvinculação de Receitas da União. O mecanismo já era definido pelo ex-deputado Luís Eduardo Magalhães, uma década atrás, como peça fundamental para o sucesso do Plano Real. O outro é a contribuição nem tão provisória sobre movimentações financeiras, que ainda hoje abocanha 0,38% de cada movimentação bancária do país. Os remendos também valem para outros temas, como a reforma política. As normas para cada pleito acabam sendo muitas vezes definidas apenas no ano anterior e modificadas segundo os interesses das maiorias eventuais, ou por pressões de minorias insatisfeitas. Já se discute, por exemplo, o adiamento da regra prevista para 2006, de limitar a representação na Câmara dos Deputados aos partidos que disponham de um percentual mínimo dos votos do país (a chamada cláusula de barreira). Na área tributária, porém, a necessidade de regras permanentes torna-se cada vez mais uma demanda do setor produtivo. A multiplicidade de leis e regulamentos dificulta a vida das empresas. A alta carga tributária prejudica a competitividade dos produtos nacionais. E as fragilidades do atual sistema permitem a abertura de brechas nada desprezíveis para a sonegação fiscal. Até aí, naturalmente, todos parecem estar de acordo. O problema é como enfrentar todos esses problemas de uma só vez. Durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, várias textos chegaram a ser discutidos na Câmara dos Deputados e no Ministério da Fazenda. Mas a falta de um mínimo consenso minou as possibilidades de aprovação de uma reforma. No início do atual governo, o tema voltou a ser anunciado como prioridade. A falta de um consenso durante a primeira tramitação da reforma pela Câmara acabou levando à aprovação inicial de um texto pouco convincente. O Senado atraiu então para si a responsabilidade de desenhar uma reforma capaz de produzir, mesmo que em médio prazo, um sistema mais simples e justo. Depois de um entendimento suprapartidário, enviou de volta à Câmara uma proposta que, além da unificação da legislação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), apontada pela atual equipe econômica como fundamental para o crescimento do país, sinalizava ainda para a criação do futuro Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que substituiria o ICMS e outros tributos, como o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). A Câmara subdividiu o texto enviado pelos senadores. De qualquer forma, porém, a proposta elaborada pelo Senado tem servido como base para a nova rodada de negociações entre o governo federal e os governadores. A possibilidade de celebração de um acordo definitivo parece mais próxima do que das últimas vezes em que o tema esteve em pauta. Mas ainda estão em negociação temas importantes especialmente para os estados menos desenvolvidos, como a definição do Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR). Imaginado como compensação ao fim da guerra fiscal, esse fundo garantiria aos estados mais pobres recursos supostamente suficientes para tornar a reforma não apenas aceitável, mas também indutora do desenvolvimento regional. Muitos ainda têm dúvidas, porém, a respeito do real efeito da reforma sobre a sua capacidade de atrair novos investimentos. Tanto que alguns governadores se apressam em estabelecer novos incentivos fiscais antes da decisão final do Congresso. Outra questão permanece em aberto no processo de definição do futuro modelo tributário. Se for aprovado o IVA, onde seria feita a cobrança do novo imposto – no local de produção, como atualmente, ou no de consumo, como acontece em diversos países? Se for no local de produção, os maiores beneficiados pela reforma poderiam ser os estados mais industrializados do país. O sistema ficaria mais enxuto, mas não necessariamente mais justo. Questões como a do FDR e do IVA não são triviais. Envolvem um debate sobre o tipo de federação que o país deseja adotar e o modelo tributário por meio do qual se pretende atrair novos investimentos e acelerar o crescimento econômico. A construção deste sistema vai exigir visão estratégica e de longo prazo de todos os negociadores – deputados, senadores, governadores e o governo federal. |
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