Adailton Altoé*
Cidadão é a pessoa humana com direitos civis (direito à liberdade, ao trabalho, à propriedade particular, à locomoção, à privacidade, etc.), direitos políticos (direito de votar e ser votado) e direitos sociais (direito à educação, à saúde, à moradia, à segurança, etc.) respeitados pelo Estado e pela sociedade e em condições de desempenhar tais direitos e deveres na relação com os outros, com o Estado e com as instituições sociais. Cidadania é o exercício desses direitos e deveres.
A democracia é o modo como seres humanos autônomos, livres e responsáveis articulam as diversas vontades e capacidades individuais e coletivas para construir um modo de viver que lhes permita o mais alto grau possível de exercício de sua liberdade em um espaço público. Esse espaço público, na sua forma moderna de organização, pode se identificar com o Estado. A democracia é um projeto pleno de possibilidades.
Mas o que isso tem a ver com gestão eclesial e com evangelização? Afinal, as Igrejas não estão preocupadas com o bem viver da população?
Em termos de discurso e de documentos, podemos afirmar que sim. Mas em termos de prática, o problema aparece mais complexo. Por isso, devemos nos perguntar: como os cristãos exercitam seus direitos e deveres na comunidade cristã? Como se dá o processo de inserção na comunidade? Como é exercido o poder ou como se dá o processo de formação e renovação de lideranças? Quem participa nos processos de decisão? Como se dá a administração dos bens financeiros da comunidade? Como se dá a prestação de contas?
Pois bem, a resposta a essas questões vai indicar se o modo de ser Igreja é, de fato, evangelizador, ao estabelecer uma gestão transparente, honesta e justa, e se essa experiência comunitária nos deixa indignados diante da corrupção, da violência e da apropriação e privatização dos bens públicos em benefício próprio e, também, se nos compromete com a verdade, a liberdade e a justiça social.
No livro Construção da cidadania e gestão eclesial, lançamento da Paulus, relato um longo e conflitante processo de educação para a cidadania vivenciado na fé. Tudo começou quando resolvemos transformar as antigas capelas em comunidades eclesiais de base e a paróquia tradicional em uma rede de comunidades, com uma gestão democrática e participativa. A vida litúrgica passou a girar em torno de celebrações comunitárias, e não mais em torno de rezas. Novas lideranças foram sendo formadas para o exercício de novos ministérios, inclusive para o exercício colegiado do poder e para a superação do centralismo patriarcal.
Inicialmente, algumas comunidades reagiram ao atendimento pastoral igualitário e à gestão financeira solidária, contribuindo de acordo com a possibilidade e sendo atendido de acordo com a necessidade, independentemente do valor da contribuição financeira. Despertamos a juventude para a organização e a reflexão da vida à luz da fé, de tal modo que foram assumindo o protagonismo na evangelização.
Desse processo, vieram a organização e a mobilização social com foco na emancipação e na elaboração de um projeto de gestão pública fundado na democracia participativa. Mas já o primeiro pleito foi marcado pela violência, e a primeira experiência de gestão, pela corrupção, pela injustiça social e pela mentira. E olha que eram quase todos gente de igreja, lideranças comunitárias. Os conflitos se agravaram e as provocações, também. O lugar de serviço público e comunitário virou campo de luta pelo poder em benefício próprio.
Ao retornar à região, esperado por todos os grupos, fiz uma proposição clara a todos, indistintamente: conversão e reconciliação para se colocar no caminho de Jesus, a serviço da verdade, da justiça e da paz. Para isso, renovamos as lideranças eclesiais e exigimos compromisso com a causa do evangelho e unidade em torno de um projeto de pastoral definido de modo participativo.
Investimos forte na formação das lideranças, unificamos a arrecadação e gestão financeira através do Dízimo, implementamos uma Pastoral do Batismo elaborada para as pessoas e famílias conhecerem a proposta de Jesus e optarem pelo seguimento de Jesus a fim de fazerem uma experiência significativa de vida em comunidade; multiplicamos os grupos de círculo bíblico de tal modo que a palavra de Deus foi se tornando luz e a experiência comunitária foi adquirindo sabor. As festas religiosas, que vinham sendo lugar de corrupção, violência, manifestação do poder e de jogatinas, tornaram-se lugar de partilha e comunhão, no qual todos comiam e bebiam de graça, indistintamente, estabelecendo um ambiente de alegria e de celebração da vida.
Essa práxis transformou corações, fermentou a sociedade, provocou mudanças, gerou cidadãos evangelizadores. O relato é cheio de emoções. Transborda vida. Vale a pena conferir!
*Adailton Altoé é mestre em Educação pela PUCMinas, graduado em Filosofia e Teologia, com especialização em Ciências da Religião e Psicodrama, e autor de vários livros
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