A Fundação Getúlio Vargas (FGV) parece não ter se preparado para o concurso do Senado, ao contrário dos mais de 150 mil candidatos que disputaram as 246 vagas no último dia 11. A instituição sempre gozou de grande prestígio no mundo acadêmico, sobretudo pelo trabalho que desenvolve na área de administração, economia e finanças. Mas, infelizmente, com a sucessão de erros identificados no certame mais aguardado dos últimos tempos, demonstrou que o seu braço para organização de concursos, a FGV Projetos, não está à altura de um desafio como esse.
O principal problema decorreu de um inacreditável erro de logística e resultou, ainda na tarde de aplicação das provas, na anulação do exame de 10.056 candidatos para três cargos de Analista Legislativo, nas áreas de Análise de Sistemas, Análise de Suporte de Sistemas e Enfermagem. A falha foi diagnosticada aqui em Brasília, na Facitec, em Taguatinga. O erro é tão grave, que colocou todo o concurso sob suspeita, embora até agora não haja evidências de fraude nas investigações que a Polícia Federal e o Ministério Público estão conduzindo sobre o concurso.
Mas esse não foi o único erro de organização relatado pelos inscritos. Candidatos que fizeram as provas no Colégio Setor Leste, também aqui em Brasília, na Asa Sul, testemunharam outro episódio lamentável, embora quase cômico. Foi na sala 1 do Bloco 1, onde um grupo de deficientes visuais faria a prova. Pouco antes de distribuir os cadernos de questões, uma fiscal retirou do pacote uma folha do tamanho de meia página de jornal e leu uma errata referente às provas da área de Analista de Processo Legislativo. Depois, pegou outro papel idêntico e leu outra errata, para em seguida colar as duas folhas no quadro-negro, a fim de que os candidatos lessem de seus lugares.
Como eu disse, a turma era de deficientes visuais! Houve tumulto, pois eles não conseguiam enxergar o que estava escrito nas erratas, impressas em tipos de tamanho normal e fixadas a metros de distância. A fiscal simplesmente alertou que quem se sentisse prejudicado deveria entrar com recurso. A despeito dos protestos, ela ia mandar iniciar a prova, mas os candidatos se mantiveram firmes e exigiram a presença de um representante da coordenação para resolver o problema. Dez minutos depois, chegou o funcionário. Ao verificar que a errata só se aplicava às provas de enfermagem e taquigrafia, com apenas duas candidatas na sala, ele determinou que o texto fosse mostrado a elas em suas carteiras, em vez de fixado no quadro-negro. O problema foi solucionado, mas a prova começou com 15 minutos de atraso, por causa da confusão.
A falta de organização não parou por aí. Ela passou também pelo atraso na divulgação do gabarito preliminar, só liberado um dia depois da data prevista no edital. A demora, injustificável, deixou os candidatos apreensivos, pois o normal é a publicação do gabarito no dia seguinte ao da realização do exame. Outra falha digna de menção diz respeito à falta de definição da nova data de realização das provas canceladas. A FGV chegou a anunciar que elas seriam feitas no dia 29 de abril, mas depois recuou, alegando que nesse dia haverá outro concurso público. Conclusão: 10 mil pessoas se mantêm em angustiosa expectativa, sem saber quando farão o novo exame.
Todo dia novas denúncias são levadas ao conhecimento do Ministério Público e da imprensa. Elas falam de questões clonadas de provas de outros concursos; de cobrança de conteúdo não previsto no edital, ou, ao contrário, da total ausência de itens sobre conhecimentos relevantes ali elencados; de questões extraídas da Wikipedia, que todos sabem não ser referência aceitável, na medida em que as informações são acrescentadas por qualquer usuário da internet.
Eu, otimista inveterado que sou, procuro sempre ver o lado bom das coisas. No caso de toda a confusão montada pela FGV, o ponto positivo é que os candidatos que tiveram as provas canceladas ganharam mais tempo para estudar. O importante, agora, é que eles não percam o foco, não desanimem, e se mantenham em guarda para fazer o concurso como se estivesse tudo bem. O fato é que a situação que se instaurou não pode anular todo o esforço que esses estudantes fizeram até aqui. Muitos deles se preparam há dois ou três anos para esse concurso. Paciência é, portanto, a palavra de ordem.
Que fique claro que toda a responsabilidade sobre o caso cabe mesmo à FGV. O Senado sempre procedeu de modo exemplar em relação ao concurso. Até o acompanhamento da Polícia Federal nos preparativos do exame foi solicitado, depois que uma servidora da Casa, que integrava a comissão interna responsável pelo concurso, foi afastada por ter se inscrito para um dos cargos sem comunicar aos superiores, ficando, obviamente, sob suspeita para exercer a função.
O erro do Senado foi ter escolhido a FGV para organizar o concurso, a fim de economizar alguns milhares de reais, já que a organizadora aceitou o trabalho apenas em troca da taxa de inscrição. Por essa razão, ela cobrou taxas de valores exorbitantes para inscrição dos candidatos, entre R$ 160 e R$ 190, num abuso sem precedentes, mas que obviamente visava a compensar a ausência de remuneração habitual em contrato pelos serviços prestados. Com mais de 150 mil inscritos no concurso, a FGV arrecadou mais de R$ 30 milhões em taxas de inscrição, para no fim, deixar faltar cadernos de prova no dia do exame. Absurdo!
De nossa parte, pela experiência que acumulamos em décadas de preparação de candidatos a concursos públicos, imaginávamos que haveria problemas, mas não de natureza tão amadora como os que ocorreram. Não foi a primeira vez que a FGV mostra que precisa corrigir seu sistema de logística. Mas tem de ser a última, se é que a instituição não quer minar de vez a credibilidade que detém como organizadora de concursos públicos.
É nesse sentido que, como coordenador do Movimento pela Moralização dos Concursos (MMC), que já está tramitando no Congresso, defendo mudanças nos critérios para escolha das bancas que realizarão os certames. Não é mais aceitável abrir mão de técnica, de experiência e tradição no ramo, de estrutura, para só depois discutir o preço. Afinal, concursos públicos lidam com os sonhos de milhões de pessoas, com carreiras, com emoções, com seres humanos. Não pode, pois, pecar com erros como os cometidos pela FGV no último domingo.
Mas passemos à análise das provas ainda válidas. Os professores do Gran Cursos avaliam que a prova de Língua Portuguesa aplicada para os cargos de Técnico Legislativo estava de fácil para muito fácil. Cerca de 70% dela tratava de gramática, 20% de redação oficial e somente 10% de texto. Em outras matérias, como as que caíram para os cargos de Técnico de Informática, a avaliação geral é de que 40% das questões eram difíceis, 40% eram fáceis e 20% tinham dificuldade mediana. Na prova de Processo Legislativo, na parte específica, as questões estavam de fácil para muito fácil, e apenas uma ou outra questão era difícil.
A prova de inglês para os cargos de Analista foi um delírio de quem a elaborou: 105 linhas de um texto muito difícil e questões que cobravam assuntos como a crise da Grécia e outros conteúdos que não estavam no programa ou extrapolavam o conhecimento da língua. A sandice pode redundar em uma avalanche de recursos de quem se sentir prejudicado. Apesar disso, de modo geral tudo o que caiu nas demais disciplinas constava do edital, mas muito do que constava simplesmente não foi cobrado. Houve, é verdade, algumas questões fora do programa, sobretudo em Conhecimentos Gerais. Muitos dos assuntos ali cobrados estavam em desacordo com o edital, pois não tinham nada de atual nem de relevante em matéria de sociedade, tecnologia, cultura e política.
Não posso deixar de registrar, por exemplo, aberrações denunciadas por candidatos na prova para consultor legislativo. Houve questões sobre a empresa responsável pela construção do metrô de São Paulo e o nome de um diretor da Petrobrás. Mas a pior foi uma inacreditável questão que indagava qual o motivo de uma das amantes do ex-presidente norte-americano John Kennedy ter resolvido publicar suas memórias. Quem respondeu que foi a atriz Marilyn Monroe, o caso mais famoso que ele teve fora do casamento com Jaqueline Kennedy, errou. Ganhou o ponto quem respondeu Mimi Alford, estagiária da Casa Branca entre 1962 a 1963, que “namorou” Kennedy durante um ano e meio. Muitos candidatos tentarão anular essa questão, o que é bastante razoável. Afinal, em atendimento aos requisitos para constar da prova de conhecimentos gerais, o que ela tem de ²relevante e atual²?
Já as provas discursivas estavam dentro daquilo que esperávamos. A questão discursiva teve um único tema para os cargos de Técnico Legislativo, Área Administrativa e de Processo Legislativo. Prevíamos que esse tema seria relativo a proposta de emenda constitucional ou medida provisória (MP). Caiu tramitação da MP. Já na prova discursiva, o tema foi mais filosófico. Envolvia a análise sobre a necessidade do homem da busca de si mesmo por conta das necessidades das mudanças. O assunto exigia muito do candidato, que precisava cuidar para não se desviar do tema, para não perder preciosos pontos.
Depois de tudo isso, meus amigos, só me resta desejar, mais uma vez, boa-sorte aos candidatos que tiveram as provas anuladas no último domingo. Mais do que nunca, que eles estudem muito, e ajam como se nada tivesse acontecido, porque é raro ter uma segunda chance como eles terão. Aos que não se saíram bem desta vez, meu conselho é também para recomeçarem. Voltem-se para outro concurso imediatamente e aproveitem ao máximo os conhecimentos que já têm e a experiência do concurso para o Senado.
Quanto àqueles que estão na expectativa de que sua aprovação seja confirmada, por terem certeza de que se saíram bem, desejo vê-los, em breve, como ocupantes, no Senado Federal, de seu
FELIZ CARGO NOVO!
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