Fábio Flora*
Que os empregados não se animem e os patrões não se desesperem: não vou socializar nenhuma cartilha homicida a ser aplicada em diretores, gerentes e afins. Só quero falar um pouquinho do filme de mesmo nome estrelado por Jane Fonda, Lily Tomlin e Dolly Parton nos anos oitenta (Nine to five, no original). É que eu o revi recentemente e ele se mostrou ainda melhor do que a memória supunha.
Um resumo para quem não conhece a história: cansadas de sofrer diariamente as humilhações impostas pelo Sr. Hart (Dabney Coleman) – um chefe acostumado a assediar funcionárias e usar suas boas ideias como se fossem dele –, Judy (Fonda), Violet (Tomlin) e Doralee (Parton) se unem para derrubá-lo.
A premissa simples apenas disfarça as horas extras que o desenvolvimento do enredo deve ter exigido dos roteiristas Patricia Resnick e Colin Higgins (que também dirige o longa). Ali cada fala, cada gag, cada cena aparentemente passível de demissão por justa causa cumpre um papel fundamental na comédia de erros que toma a vida das protagonistas. Não é à toa que Doralee, após a enésima cantada do patrão, o adverte de que falsifica sua assinatura como ninguém. Não é por acaso que a cadeira do cafa quase o derruba quando o vemos pela primeira vez. Não é sem motivo que Violet mostra tamanha habilidade ao instalar um portão de garagem automático.
Entre tantas passagens hilárias (como a que envolve o roubo de um cadáver ou a que reúne Judy, seu ex, um suposto amante, S&M e… M&Ms), talvez a que mais se destaque seja a da happy hour, quando o trio dá umas tragadas antes de imaginar maneiras de se livrar de Hart. Particularmente inspirados são o delírio country de Doralee – em que o patife surge na condição de secretário assediado e Coleman pode exercitar sua versatilidade – e a fantasia disneyana de Violet – que conta com recursos de animação e uma princesa perversa para recuperar o lado sombrio dos contos de fada.
Não bastasse isso, a sequência revela elementos que serão retomados ao longo da trama (os tiros, o chefe amarrado, o veneno de rato), o que rende um divertido jogo de espelhos entre sonho e realidade.
Igualmente divertido (e inteligente) é o uso das cores. Se nos minutos iniciais da projeção somos apresentados a um ambiente de trabalho mergulhado no branco, no gelo, no cinza, e supervisionado por uma criatura (Roz Keith) fardada com um tailleur verde-oliva (o que sugere sua severidade militar), nos finais – após as mil mudanças promovidas no setor, como creche para os filhos dos funcionários e horário flexível – o mesmo espaço aparece imerso no amarelo, no laranja, no vermelho, refletindo um clima menos frio e impessoal.
Ainda as cores mais quentes: em sua primeira aparição, Violet desponta apenas com detalhes vermelhos (batom, brincos e broche); já no último ato, exibe um figurino inteiramente nesse tom (saia, camisa e sobretudo), como se ela própria metonimizasse a atmosfera do lugar. Interessante notar que Judy e Doralee surgem ao seu lado vestidas, respectivamente, de azul e branco – insinuando uma referência aos ideais revolucionários de liberdade, igualdade e fraternidade. Evidência disso é o fato de Roz, que acabara de voltar da França, exclamar um espantado “Holy merde!” ao ver as três na sala de Hart celebrando a derrocada do biltre, enquanto dividem um espumante.
Eu ainda estenderia o brinde ao talento das atrizes. À insegurança que Fonda confere a Judy: o sentimento vai se deteriorando à medida que a personagem se adapta ao seu novo dia a dia, e o auge de seu amadurecimento se dá na cena em que ela finalmente enquadra o ex (“Não me diga o que eu posso ou o que eu não posso fazer”). À aparente ingenuidade que Parton concede a Doralee: a princípio, a secretária finge não perceber as investidas do patrão porque precisa do emprego. À sagacidade com que Tomlin pinta Violet: esse traço fica nítido na sequência em que ela se equilibra entre a indignação e o deleite ao explicar para o dono da companhia as transformações que ele acredita terem sido implantadas por Hart.
Nítido também é o preconceito do todo-poderoso da firma, que decide vetar uma das principais novidades introduzidas na seção: a política de igualdade salarial entre homens e mulheres. E dá desânimo constatar que, mesmo trinta e tantos anos após o lançamento do filme, essa injustiça ainda não foi inteiramente reparada e encontra defesa em certos magnatas do machismo – que chegam a afirmar que mulher deve ganhar menos porque tem filho, tira licença-maternidade e gera prejuízo para as empresas.
Pensando bem (no caso desses escroques), quem sabe a distribuição de uma cartilha homicida a suas subordinadas não fosse uma ideia a ser considerada.
*Cronista residente no Rio de Janeiro, Fábio Flora mantém o blog Pasmatório e perfil no Twitter.
Deixe um comentário