Moisés Marques*
A organização que zela pela paz e segurança dos povos nunca havia sido pautada por uma legítima representante da maioria: as mulheres. Por isso, o discurso de abertura da 66ª. Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), proferido pela presidente do Brasil, Dilma Rousseff, é por si só histórico. É a primeira vez que uma mulher abre a reunião anual do organismo, exatamente em um momento em que o debate da vez é a entrada da Palestina no concerto das nações.
Finalmente, o ideal kantiano de uma liga de nações que cooperem entre si pela paz cede à realidade e coloca no centro do palco uma mulher, que traz temas femininos específicos para o debate.
O discurso da presidente brasileira é histórico pelas circunstâncias, e não se pode negar que traz ao menos um tema em relevo que o Brasil tratava muito mais na retórica do que na substância: o respeito aos Direitos da Pessoa Humana.
Se, como disse Dilma Rousseff, “este será o século das mulheres”, não se pode olvidar que boa parte dos desrespeitos aos direitos humanos são levados a cabo contra as mulheres. Dilma acerta ao lembrar com propriedade que a crise econômica atual precisa urgentemente do concurso de todos os governantes para encontrar uma solução, pois atinge, principalmente, as mulheres.
Em um momento, como ela lembra no discurso, de alto desemprego e pobreza na Europa e Estados Unidos, as mulheres e suas duplas jornadas respondem pelos setores mais atingidos. O desemprego, ressalta Dilma, “tira a esperança e deixa a violência e a dor”.
Violência que atinge as mulheres, vítimas sofridas e caladas das guerras civis e das violências domésticas, fortes e altivas sempre, pois sabem que o mundo depende da ternura e tenacidade que só elas sabem ter.
Em outro trecho, a presidente brasileira reivindica a necessidade de coordenação política para as crises, que de econômico-financeiras transformam-se rapidamente em problemas sociais intrincados.
Acerta novamente, pois, sem a saída pela via da política internacional, sem o diálogo típico da via diplomática, há sempre o risco da “carona” suplantar o comportamento ético.
A reforma das organizações internacionais, ponto matizado diversas vezes no discurso, não pode ficar de fora. Ou reavaliamos o Sistema ONU, a OMC, o FMI, o Banco Mundial e tantas outras instituições agora, ou continuamos sabendo que os novos vírus das contínuas crises resistem a esses velhos remédios e ainda fazem troça deles.
Claro que não poderiam faltar assuntos um pouco mais complexos, como o apoio explícito do Brasil ao Estado palestino (aliás, algo que já cumpre quase quarenta anos, na política externa brasileira) e a antiga reivindicação de uma vaga entre os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, para o Brasil.
Todos os temas relevantes da atual agenda internacional, e não poderia ser diferente, foram tratados no discurso, mas a sapiência da visão feminina ficou para o final. Ao lembrar que a mulher tem sido fundamental para a superação das desigualdades sociais, não por acaso a marca mais nuançada do mundo contemporâneo, Dilma saúda a criação da ONU Mulher, comandada por ninguém menos que Michelle Bachelet e lembra finalmente que, para quem sofreu tortura no cárcere, valores como democracia, justiça,liberdade e direitos humanos são inegociáveis.
No palco da ONU, a mulher Dilma foi um pouco de Indira Gandhi, Benazir Bhutto, Golda Meir, Rigoberta Menchú, Piedad Córdoba, Ingrid Betancourt, Alexandra Kollontai, Dorothy Height e tantas outras que, malgradas suas diferenças de pensamento e ideologia, fizeram aquilo em que acreditavam e tornaram o mundo mais terno e confiante de que um certo perfume ronda o ar: quem sabe não nos contaminemos.
* Professor e coordenador do curso de Relações Internacionais da Faculdade Santa Marcelina (FASM)
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