Rudolfo Lago
O grande maestro Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim não apenas fez, assinando como Tom Jobim, algumas das maiores obras-primas da música brasileira. Ele, dono de uma inteligência privilegiada e de um raro senso de humor, cunhou também frases geniais. E é dele uma das melhores traduções destas nossas terras tupiniquins. Disse Tom Jobim: “O Brasil não é para principiantes”. Me valho do ensinamento de Jobim para refletir sobre o último grande acontecimento político: a desistência do governador de Minas, Aécio Neves (PSDB), em disputar a sucessão presidencial no ano que vem.
Se o Brasil fosse um jogo de principiantes, de amadores, a conta era bem facinha. Aécio é do mesmo partido do governador de São Paulo, José Serra. Logo, se Aécio deixa o jogo, o beneficiário direto dessa desistência será José Serra. O governador de São Paulo, com a desistência de Aécio, é automaticamente o candidato do PSDB à Presidência. Ele é bem avaliado no maior colégio eleitoral do país. Vai ter ao seu lado os votos de Aécio, o bem avaliado governador do segundo maior colégio eleitoral do país. Juntos, os dois podem fazer um estrago na candidatura do nome governista na sucessão, a ministra da Casa Civil, Dilma Roussef.
Bem, mas Jobim nos disse que esse jogo não é para amadores. Jogo de profissionais, é cheio de nuances e sutilezas. Vamos a elas. Primeiro: Aécio não saiu da disputa porque se convenceu que Serra é um companheiro tucano melhor do que ele para enfrentar Dilma em 2010. Ou seja: ele não sai necessariamente para se tornar um entusiasmado cabo eleitoral de Serra. Na verdade, sai porque a postura de Serra emparedou-o. Bem menos conhecido do eleitorado que Serra, Aécio precisaria de mais tempo para firmar seu nome. Precisava de uma campanha mais longa.
Pregou a ideia de realização de prévias porque elas seriam uma forma de pré-campanha: Aécio – e Serra também, mas quem precisaria mesmo disso era Aécio – percorreria o país, fazendo comícios, acompanhado de jornalistas, fazendo matérias e tornando seu nome mais conhecido. Serra, líder nas pesquisas, prefere adotar a tática de fazer o menos possível de marola. Adia o início da sua campanha para não se expor. Do seu ponto de vista, Serra tem razão de agir assim. Mas, agindo assim, ele simplesmente inviabilizou Aécio como candidato. Sem essa pré-campanha, se Aécio assumisse a candidatura mais tarde, diante de uma desistência de Serra, seria apenas para pagar um mico em 2010. Jovem, Aécio até admitiria perder a eleição agora, mas não numa campanha pífia.
Assim, Aécio não disputará a próxima eleição presidencial porque Serra não deixou. Isso pode levá-lo a fazer um de dois cálculos. Jovem, ele bem pode imaginar que deixando a tarefa agora para Serra, fica ele, Aécio, naturalmente como a próxima opção do PSDB. Dentro da lógica da reeleição, no entanto, a menos que o próximo presidente seja um completo desastre, isso significará uma espera de oito anos. Aécio tentaria se tornar presidente, então, com 58 anos de idade, em 2018. Ou, segunda opção, Aécio pode agir do mesmo jeito que Tasso Jereissati em 2002, quando também foi atropelado na pré-campanha por Serra: oficialmente, fez corpo-mole e extra-oficialmente apoiou a candidatura de Ciro Gomes, que disputou então a presidência pelo PPS.
Com a inspiração de Tom Jobim, é assim que pensa o senador Renato Casagrande (PSB-ES). “Acho que o beneficiário direto da desistência de Aécio é Ciro Gomes”, diz ele. Na verdade, o que ele diz é o raciocínio que passa pela cabeça do próprio Ciro e dos principais líderes do PSB. Aécio e Ciro são amigos. Ciro já tinha declarado anteriormente que, contra Aécio, não se sentia à vontade de disputar a eleição. Esse constrangimento, agora, Ciro não terá mais. Serra, ele detesta. E sobre Dilma, ele nunca fez semelhante declaração de amor.
A verdade é que, à medida que Aécio saía de cena, Ciro ia entrando no palco. Na véspera do anúncio da desistência, o deputado cearense dizia, criticando o fato de o PT já ter resolvido que a parceria preferencial de Dilma será com o PMDB: “A cada dia, me sinto mais afastado do atual governo”. Se essa frase já tinha alguma relação com o anúncio de Aécio, Ciro não precisava necessariamente ter tido um lampejo premonitório: no início do mês, o governador mineiro já tinha avisado a Serra que tomaria uma decisão definitiva sobre a sua candidatura até o final do ano.
Após a desistência de Aécio, Ciro foi mais direto: “Isso só reforça a ideia de que eu devo disputar a próxima eleição”. E, no fim de semana, numa entrevista ao Correio Braziliense, foi a vez do presidente do PSB, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, que até então nada dissera, falar que seu partido tem em Ciro a sua opção preferencial para 2010.
Renato Casagrande enumera os pontos que hoje apoiam no PSB a ideia de lançar a candidatura de Ciro Gomes. “Em primeiro lugar, se o PT já resolveu que sua aliança é com o PMDB, nós não temos muito o que fazer nessa chapa. Só vamos para ela se não tivermos alternativa”, começa o senador. O segundo ponto é que ser coadjuvante total na chapa PT/PMDB pode trazer dificuldades para o PSB nas eleições estaduais: se o partido tiver que sair sozinho nos estados em que tem chances (porque PT e PMDB poderão, então, não abrir mão de candidaturas próprias nesses estados), então é o caso de sair logo sozinho também para presidente.
Em terceiro lugar, está a argumentação que o PSB agora faz ao próprio presidente Lula: todas as pesquisas mostram que Ciro na disputa tira votos é de Serra, não de Dilma. “Assim, achamos que Ciro, se não vencer, ajuda Dilma. Sem ele, Serra cresce e se distancia na liderança”, diz Casagrande. Os socialistas disseram isso a Lula há duas semanas. O presidente evitou fazer comentários diretos. Apenas manteve a sua convicção de que é melhor que todas as forças que o apoiam estejam juntas numa única candidatura. Finalmente, nesse raciocínio, Ciro pode servir de sparring contra Serra (os dois não se gostam mesmo, não seria sacrifício para Ciro ocupar esse papel), deixando Dilma mais liberada para virar “Dilminha paz e amor”, a versão de saias do que foi seu mentor político em 2002. Bem mais complexo e intrincado esse raciocínio? Tom Jobim sempre disse que assim era o Brasil: não era para principiantes.
Deixe um comentário