Lúcio Lambranho
Vinte projetos de lei em tramitação na Câmara – veja a lista – pretendem ampliar o porte de armas e alterar o Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003). Pelas propostas, a autorização para o uso de armas de fogo também poderá ser concedida para guarda-parques, agentes penitenciários, guardas portuários, agentes dos Detrans e oficiais de Justiça.
Deputados contrários aos projetos dizem que a lei poderá ser desfigurada, considerando que um dos pontos principais do estatuto é justamente a proibição do uso de armas por civis. A disputa sobre o tema na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado se acirrou com a proximidade do ano eleitoral. A pressão feita por diversas categorias profissionais contribuiu para que o número de projetos crescesse na Casa neste ano.
“Ultimamente temos visto uma enxurrada de projetos que pretendem flexibilizar o porte de armas para várias categorias. Para que esses projetos sejam aprovados, bastará um fato violento de repercussão nacional. Nesse caso, o plenário aprovará projetos como esses facilmente. sobretudo em ano eleitoral”, afirma o deputado Antônio Carlos Biscaia (PT-RJ), um dos deputados que tentam barrar os projetos na Comissão de Segurança da Câmara.
Autor de um parecer contrário ao projeto que concedia o porte de armas para os guarda-parques no colegiado, Biscaia foi surpreendido quando um novo relatório foi feito às pressas e acabou sendo aprovado o projeto de lei de autoria do deputado Walter Ihoshi (DEM-SP).
Como o relator chegou atrasado ao colegiado no momento da votação, pois estava na discussão sobre a liberação dos bingos na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), foi feito parecer na mesma sessão pela aprovação da proposta com voto em separado do deputado Guilherme Campos (DEM-SP). A matéria aguarda agora votação na CCJ.
“A solução para esse período eleitoral é aumentar a mobilização com as entidades que são a favor do desarmamento”, alerta o deputado do PT.
O que já mudou no estatuto
Desde que foi sancionado pelo presidente Lula em 2003, o Estatuto do Desarmamento já sofreu duas alterações que permitiram a ampliação do porte de armas. A Medida Provisória nº 157/2003 reduziu de mais de 500 mil para mais de 50 mil o número de habitantes dos municípios autorizados a garantir que os integrantes das guardas municipais possam portar armas.
Tratava-se de uma MP que criava, entre outras coisas, gratificações para os servidores da Previdência Social. A alteração aconteceu na tramitação da MP no Senado por meio de um “contrabando”, apelido dado no Congresso a alterações feitas em propostas legislativas (mais comuns em MPs) tratando de temas completamente alheios ao seu conteúdo original. A mudança acabou sendo sancionada pelo presidente da República.
A outra alteração também veio por medida provisória, no caso pela MP 359/2007. Ela liberou o porte de armas para os auditores e técnicos da Receita Federal, auditores fiscais do trabalho, analistas tributários e quaisquer outros auditores-fiscais, inclusive dos estados e municípios, desde que estejam no exercício da função.
Dois projetos pretendem ampliar ainda mais essas duas alterações. O Projeto de Lei 3870/2008, do deputado Pompeu de Mattos (PDT-RS), garante que os auditores, contemplados pela MP 359/2007, possam ter porte de armas mesmo fora do serviço.
Já o Projeto de Lei 4896/2009, do deputado Milton Monti (PR-SP), autoriza o porte de arma para todos os guardas municipais, sem nenhuma limitação quanto ao número de habitantes em cada município.
Financiamento eleitoral
Pompeo de Mattos, um dos parlamentares que mais pressionam pelas alterações no Estatuto do Desarmamento, teve entre os seus principais doadores de campanha duas empresas que produzem armas ou munições. O deputado gaúcho recebeu R$ 60 mil da Taurus e R$ 50 mil da Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC).
Além dele, outros três deputados, dentre os 18 que fizeram projetos de lei liberando o porte de armas, declararam à Justiça eleitoral ter recebido recursos de empresas do setor: Alberto Fraga (DEM-DF) que recebeu R$ 170 mil da Taurus; Moreira Mendes (PPS-RO), que teve doações de R$ 50 mil da CBC e R$ 10 mil da Taurus; e João Campos (PSDB-GO), beneficiado com R$ 15 mil da Taurus.
“Querem desfigurar e rasgar o Estatuto do Desarmamento. Já pediram porte de armas para advogados e taxistas, além de outras categorias exóticas”, reclama o deputado Raul Jungmann (PPS-PE), vice-presidente da Comissão de Segurança Pública.
“Politicamente, vamos continuar fazendo o que sempre foi feito desde a aprovação do estatuto. Esses projetos ou são derrubados na CCJ ou por requerimento que manda as propostas para o plenário tirando o caráter terminativo. Aí não entram no funil das lideranças, pois não tem consenso nenhum”, explica Jungmann.
Lobby das categorias
O deputado do PPS vai comprar briga com a sua colega de partido e presidente da comissão, deputada Marina Magessi (PPS-RJ). “O PT sempre tentou obstruir até que aprovamos o porte para os oficiais de Justiça. O problema é que o deputado Biscaia é contra sem analisar os projetos”, reclama Marina.
“Não entendo como eles defendem isso considerando que os vigilantes que defendem o patrimônio privado podem ter porte e outras categorias que precisam da autorização para defender a própria vida não podem usar armas”, afirma Marina Magessi.
A presidente do colegiado também se coloca contra os argumentos de que os oficiais de justiça podem solicitar o acompanhamento de policiais em caso de risco ou quando vão entrar em áreas dominadas pela criminalidade. “Mesmo com proteção policial os oficiais de justiça podem ficar no meio de um tiroteio sem ter o que fazer desarmados. Precisamos analisar caso a caso”, justifica.
Presidente da comissão desde o início de setembro, a deputada do PPS também acredita na pressão dos sindicatos para aprovar a liberação do porte em ano de eleição. “No ano que vem, por razões óbvias e eleitorais, esse projetos devem conseguir chegar ao plenário. Todas as categorias têm seus interesses e lobbies por aqui para liberar o porte”, reconhece a presidente da comissão.
Na comissão, Marina tem apoio da maioria dos deputados integrantes, formada principalmente por ex-policiais.
“Os agentes prisionais, por exemplo, colocam suas vidas em risco todos os dias e, principalmente, quando vão para suas casas. Eu, como delegado de Polícia Federal, já tenho porte de arma e, por isso, é preciso avaliar o caso de cada categoria. Toda a legislação precisa de um aperfeiçoamento”, avalia o deputado Marcelo Itagiba (PSDB-RJ).
“Todos estamos em risco”
“O que está por trás desses projetos são os votos dessas categorias”, afirma Antonio Rangel Bandeira, coordenador do projeto de controle de armas da ONG Viva Rio. “O que eles querem é desmontar o estatuto ou quebrar os dentes da lei, que tem como um dos pontos principais a proibição do porte de armas para civis”, completa.
Rangel cita várias estatísticas para justificar a restrição ao porte de armas e a manutenção da lei da maneira que foi aprovada. Ele destaca que apenas em um ano e oito meses, entre 2004 e 2005, foram retiradas das ruas 459 mil armas. Acrescenta que, segundo dados da Polícia Federal, 27 mil armas foram furtadas em residências somente em 2003. E prossegue:
“Mais de 80% dos homicídios são por arma de fogo nos chamados crimes interpessoais no Brasil. Já tentaram até abrir o porte de arma para motoristas de caminhão. Não há profissões de riscos, todos estamos em risco. O Estado democrático precisa de mais segurança pública
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