Soraia Costa
O relatório parcial da CPI dos Sanguessugas, aprovado ontem pela comissão e que culminou na recomendação de abertura de processos por quebra de decoro parlamentar contra 72 atuais congressistas (entre eles o suplente de deputado federal Ricardo Rique, do PL-PB, que está em exercício desde julho) será encaminhado hoje para as mesas diretoras da Câmara e do Senado. Cada Casa avaliará o envolvimento de seus membros no esquema de compra superfaturada de ambulâncias e poderá abrir processos para cassar aqueles que tiverem a participação no esquema comprovada.
Membros da CPI, no entanto, acreditam que os pedidos não terão resultados. A burocracia da tramitação deverá arrastar os processos até depois do término dos mandatos (14 de fevereiro de 2007), o que impedirá a cassação da maior parte dos parlamentares.
"Acho que não vai dar para votar os pedidos este ano. Dificilmente um pedido será concluído nesta legislatura. Por isso, os partidos políticos deveriam tomar providências para que os envolvidos nos escândalos não se reelegessem", defende a deputada Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), uma das sub-relatoras da CPI dos Sanguessugas.
O trabalho da corregedoria
A tramitação dos pedidos de cassação é idêntica na Câmara e no Senado. Hoje, o relatório chegará às mesas diretoras, que encaminharão os documentos para a corregedoria de cada Casa. Ali, cada caso será avaliado separadamente, notificando-se os acusados. A partir da notificação, os 69 deputados federais e os três senadores suspeitos de participação na máfia das ambulâncias terão cinco dias ou cinco sessões (a mesa decidirá) para apresentar defesa.
Se a mesa diretora optar por estender o prazo para cinco sessões, os acusados terão, no mínimo, até outubro para dar explicações, já que o Congresso está em recesso branco e terá apenas três sessões em setembro, no esforço concentrado marcado para os dias 4 a 6. O expediente normal somente será retomado em 3 de outubro. Mesmo assim, a proximidade das eleições deve baixar o quorum e o número de sessões semanais.
Após a apresentação das defesas, os corregedores terão prazo livre para a emissão de parecer. Caso a defesa do parlamentar denunciado seja insuficiente para inocentá-lo, será aberto o processo de cassação, que será encaminhado para o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar de cada Casa.
No Conselho de Ética
No Conselho de Ética, cada parlamentar terá um processo separado, com um relator específico. Após a instauração do processo, o conselho notifica o acusado e, a partir daí, o deputado ou senador terá novamente um prazo de cinco sessões para apresentar sua defesa.
Esgotado esse prazo, começa a instrução probatória, na qual são apresentadas as provas e ouvidas as testemunhas, tanto da defesa quanto da acusação. Os membros do conselho têm tempo definido para fazer perguntas, e as respostas também são limitadas.
Segundo o regulamento do conselho, a instrução probatória não pode ultrapassar 30 dias e o processo de quebra de decoro deve ser concluído em no máximo 90 dias. Após este período, começa a apreciação do parecer do relator.
Entre a conclusão do relatório e sua aprovação corre um longo período, no qual os membros do Conselho de Ética podem pedir vistas do processo. O relator pode decidir entre a cassação ou a absolvição do parlamentar, e o pedido é julgado pelos membros do conselho. Se aprovado o pedido, o parlamentar acusado pode recorrer à decisão na Comissão de Constituição de Justiça (CCJ).
Fases seguintes: CCJ e Plenário
Ao julgar o recurso, a CCJ tem a opção de indeferir o pedido do parlamentar. Nesse caso, a aprovação do relatório ficaria mantida. Se os argumentos do denunciado forem acatados, a CCJ devolve o processo para o Conselho de Ética e este tem de suprir as irregularidades encontradas na avaliação.
Assim que os relatórios de cassação estiverem aprovados pelos membros do conselho, o que provavelmente não acontecerá até o final do ano, os processos terão de ser julgados novamente. Dessa vez pela totalidade dos integrantes de cada Casa (Câmara ou Senado).
Para ser válida, a votação deve ter a maioria absoluta dos votos do Plenário. No caso da Câmara, a cassação tem de ser aprovada por 257 dos 513 deputados. No Senado, exige-se a aprovação de 41 dos 81 senadores.
Para acelerar a tramitação, os partidos políticos ou qualquer membro da mesa diretora podem apresentar representação à presidência das Casas ou ao Conselho de Ética para que o processo não passe pela corregedoria e siga direto para o conselho. "Esse é o meio mais rápido, mas, caso não haja representação, o rito legal é que todos os pedidos sejam encaminhados à corregedoria", explica o secretário-geral da mesa diretora da Câmara dos Deputados, Mozart Vianna.
Mesmo a representação, no entanto, não seria suficiente para garantir a votação das cassações neste ano, pois a tramitação no Conselho de Ética dependerá das sessões ordinárias do Congresso.
Caso os pedidos não sejam votados em 2006, o processo continuará na próxima legislatura para os parlamentares que forem reeleitos. O congressista cassado, além de perder o mandato, fica impedido de se candidatar a eleições durante o prazo de oito anos. Por isso, é possível que muitos dos parlamentares denunciados renunciem ao mandato para interromper o processo de cassação.
A experiência com o mensalão
Como demonstrou o escândalo do mensalão, a tramitação de um processo de cassação pode se arrastar por muito tempo. O processo do ex-líder do PP na Câmara José Janene (PR), acusado de receber R$ 4,1 milhões do chamado valerioduto, completou um ano e até hoje não foi votado.
As votações em plenário dos pareceres do Conselho de Ética sobre os deputados envolvidos com o mensalão se realizaram, em média, cinco meses após a abertura do processo.
Dos 19 deputados acusados de receberem dinheiro do empresário Marcos Valério, 11 foram absolvidos pelo voto secreto e quatro renunciaram aos mandatos: Carlos – ex-Bispo – Rodrigues (PL-RJ), o ex-líder do PMDB José Borba (PR), Paulo Rocha (PT-PA) e o presidente licenciado do PL, Valdemar da Costa Neto (SP). Apenas três deputados foram cassados pelo Plenário por causa do envolvimento com o escândalo do valerioduto: Roberto Jefferson (PTB-RJ), José Dirceu (PT-SP) e Pedro Corrêa (PP-PE).
O processo contra o deputado Vadão Gomes (PP-SP), acusado de ter recebido R$ 3,7 milhões de Marcos Valério, também demorou mais que a média. O processo foi aberto no Conselho de Ética no dia 17 de outubro de 2005, mas o parecer que pedia a cassação de Vadão Gomes só foi a plenário para ser votado em 24 de maio deste ano, seis meses depois.
Mas, em matéria de demora na tramitação, o processo de Janene é campeão absoluto. Ele conseguiu protelar o julgamento apresentando sucessivos atestados médicos. Agora, como não é candidato à reeleição, pode até nem ser julgado, embora membros do Conselho de Ética da Câmara tenham anunciado, semanas atrás, a intenção de levar o assunto adiante. O envolvimento dos parlamentares com a campanha eleitoral dificilmente permitirá que o processo ande até 1º de outubro.
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