“Acorrentar o futuro por meio de arranjos institucionais criados para referir-se a situações passadas, acostumando a sociedade a instituições e dinâmicas que funcionam mal, não tem relação alguma com a realização de uma sociedade democrática”.
Trecho do artigo de Vladimir Safatle publicado na Folha de S. Paulo em 19 de março de 2013.
Em outras palavras, isso quer dizer que nossas instituições, o poder Legislativo sobretudo (sob a ótica de Safatle, e eu concordo), estão engessadas e seriamente comprometidas. Também acredito que não existe democracia sem representatividade. As últimas, as penúltimas e as velhas notícias vindas de Brasília só vêm reafirmar a distância que se impõe entre aqueles que deviam representar o povo e a mítica voz das ruas (incluo as redes sociais nesse quesito?).
A entrada soturna dos neo-evangélicos no cenário político vem radicalizar ainda mais a crise de representatividade e anuncia o primeiro confronto real do século 21 aqui no Brasil. De um lado, os meganhas de Jesus, de outro as demandas do diabo (trata-se de uma licença poética e pode até ser entendida como um elogio)… quero dizer que a possibilidade de achar aconchego em expressões populistas, como sugeriu Safatle: “(…) talvez estejamos muito marcados por um certo weberianismo que vê o carisma como a explosão do irracional no interior da política, sendo que ele é, muitas vezes, a condição para que identificações e investimentos libidinais se realizem”. Enfim, quero dizer que a possibilidade de se transferir a representatividade prum maluco cheio de testosterona que encarne a voz dos “acorrentados”, é algo não apenas iminente como é lógico também. Vai depender do vento. Pode ser uma Drag Queen Big Brother. Ou um Bispo Chapeludo. Ou uma terceira via, mais instigante ainda que eu – modestamente – sugiro no final deste texto. Questão de tempo. Em pouco tempo – anotem aí – Brasília vai cair, como caiu a Bastilha, porque o conceito de democracia, aos poucos, vai se diluir em qualquer coisa, a ponto de qualquer sofista nos convencer de que populismo não é injúria, mas qualidade.
Safatle faz uma ressalva. Ele diz que “há um uso restrito do conceito (populismo) que talvez deva ser conservado por retratar um risco de bloqueio em processos de transformação social, referente aos arranjos nos quais o poder converge para o fortalecimento de um polo altamente centralizado e personalizado, normalmente o Poder Executivo”. Na verdade, essa “ressalva” é um mea-culpa tímido, muito do sem-vergonha, convenhamos.
Quando um populista se impõe – conclui Safatle – “como foi o caso na Venezuela, a transferência do poder em direção a instâncias autônomas de democracia direta não se completa. No entanto, nem nas democracias que conhecemos isso ainda ocorre”.
Isso que eu chamo de fechar com chave de ouro. Dá vontade de escrever mil vezes: “No entanto, nem nas democracias que conhecemos isso ainda ocorre”. Lembrou-me uma entrevista do próprio Chávez ao jornalista Keneddy Alencar, onde o caudilho-populista garantia que Cuba dava um exemplo de democracia para os EUA. Não estou brincando, é serio mesmo.
Depois do Bingo, o dilúvio.
O erro é pensar que os populistas de esquerda (o artigo de Safatle é “safado” porque afaga e apedreja) são melhores que os populistas de direita. Tirante a histeria ideológica que existe por trás desse raciocínio, eu torço sinceramente para que o terremoto realmente aconteça. A democracia, tal qual nós a conhecemos, e aí eu concordo com Safatle, é muito frágil e sujeita a arranjos canhestros. Chegou à exaustão. Basta um piparote bem dado, no tempo e na condição adequados, para que a mentira que irrompe do povo para o povo e pelo povo voe pelos ares. Não vai ser difícil reinventá-la com o mesmo nome sob qualquer pretexto autoritário. A retórica dos populistas – isso é tão certo como o sol que nasce todo dia – dará um jeito de assentar a democracia em qualquer terreno. Pensando bem, começar a partir da terra arrasada, às vezes, pode ser uma alternativa melhor do que administrar ruínas carcomidas e condenadas pelo próprio peso do uso e do abuso.
Bem, de qualquer forma, precisando de testosterona é só me procurar. Meu primeiro ato populista vai ser demolir a Praça dos Três Poderes. No lugar, instalarei uma piroca gigante, onde vou empalar meus inimigos, e os amontoarei feito rebotalhos de charque, carne de segunda e terceira, uns sobre os outros. O Povão vai delirar. Vladimir Safatle escreverá (talvez eu nem precise obrigá-lo a escrever) um artigo cujo título será: O Espetão Grego da Democracia. Viva a Democracia!
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