Aos poucos, a mídia começa a falar sobre um dos maiores escândalos que está se desenhando no Brasil, que provavelmente vai fazer os criminosos do mensalão e do petrolão parecerem ladrões de galinha.
No centro da polêmica está o BNDES, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social. Desde a virada de 2003 para 2004 o BNDES deixou de lado a exigência da transparência e da moralidade pública e passou a não dar mais detalhes sobre seus milionários empréstimos a empresas nacionais e governos estrangeiros.
Além do projeto de lei de autoria do senador Álvaro Dias, que prevê o fim do sigilo nas operações do BNDES, uma medida provisória com teor equivalente também está tramitando no Congresso. A MP 661, de 2014, foi aprovada pelo Senado, e proíbe o BNDES de se recusar a revelar informações sobre empréstimos com base na alegação de sigilo contratual, inclusive para operações no exterior.
Realmente, o cerco sobre o BNDES está se fechando e a própria sociedade civil tem uma participação fundamental nesse processo. Três economistas importantes, Armínio Fraga, João Manoel de Mello e Vinicius Carrasco, publicaram um artigo sobre o tema algum tempo atrás. Eles chamavam a atenção para um custo fundamental que o banco deveria observar: o custo social de cada empréstimo concedido. Em outras palavras, cada operação dessas realmente vale a pena para a sociedade brasileira? Afinal, são bilhões de reais que poderiam ter sido usados em áreas sabidamente deficientes como saúde, educação, infrestrutura, segurança pública e outras. Só para a construção do metrô de Caracas, na Venezuela, por exemplo, foram emprestados nada menos que um bilhão de reais. Qual o retorno concreto desse dinheiro público para a sociedade? Não sabemos.
Uma grande parte dos recursos que financiam o BNDES vem do Fundo de Amparo ao Trabalhador, o FAT. Dinheiro que vem de cada trabalhador brasileiro, recolhido pelo governo federal através dos impostos sobre as empresas. Como o BNDES não informa o volume nem as condições de seus empréstimos, ficamos sem saber se esses recursos do FAT de fato estão valendo a pena para os cidadãos pagadores de impostos, e sobretudo os cidadãos trabalhadores, que bancam toda essa farra.
O fato é que se o próprio BNDES continuar nessa estratégia de alegar sigilo bancário, desafiando as próprias leis da transparência e do acesso à informação pública, a polêmica não vai parar. Inclusive com o perigo real de termos a nota de investimento do Brasil ser rebaixada pelas agências internacionais de risco. Afinal, elas sabem que o que significa deixar de lado os bons costumes da transparência e da moralidade pública.
Mas não é apenas isso. O banco deixou de lado a legalidade também. Desde o ano passado, o Tribunal de Contas da União e o Ministério Público Federal tentam sem sucesso obter detalhes desses empréstimos, como taxas de juros empregadas, o risco de inadimplência da concessão, prazos de retorno dos recursos investidos e outros quesitos importantes para qualquer operação de empréstimo, mesmo as mais básicas.
E a desculpa do presidente do banco, Luciano Coutinho, não poderia ser a mais cínica. Para ele, o BNDES não pode divulgar algumas informações pois elas se encontram “blindadas” pela lei de sigilo bancário. Nada mais falso.
Com isso, procuramos conhecer a Lei Complementar 105, de 10 de janeiro de 2001, que regula o sigilo das operações bancárias. Em seu Artigo 5º, no parágrafo 3º, está determinado: “Não se incluem entre as informações de que trata este artigo as operações financeiras efetuadas pelas administrações direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios“. Ou seja, como o BNDES é uma empresa pública da administração indireta da União, o seu princípio básico deve ser o da transparência pública, e não o do sigilo. Até porque, antes de 2004, o BNDES produzia relatórios regulares, com discriminação de valores, prazos e condições de todos os seus empréstimos. O que mudou de lá para cá?
Portanto, essa legalidade por trás da qual o banco se esconde para não fornecer informações é, no mínimo, moralmente questionável. O procurador de contas junto ao TCU, Júlio Marcelo de Oliveira é um dos que criticam esse posicionamento do BNDES. Para ele, “se o Brasil faz o empréstimo, é ele quem impõe as condições do contrato. E quem faz questão do sigilo é o Brasil, que é o dono do dinheiro“.
Vale lembrar uma frase famosa do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal: “Nenhuma instituição da República está acima da Constituição, nem pode pretender-se excluída da crítica social ou do alcance da fiscalização da coletividade“. E isso vale também para o BNDES, claro.
Vamos refletir seriamente sobre o valor da transparência e da moralidade pública para a cidadania. E como alguns ainda insistem cinicamente em usar a legalidade como máscara para a impunidade.
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