Barack Obama fez justiça ao matar Bin Laden. Não, Obama sucumbiu à lógica terrorista do Estado norte-americano: violou direitos humanos e jogou no lixo toda a tradição de democracia e civilidade do Ocidente ao executar Bin Laden.
Que era um monstro, e teve a morte que merecia. Não, de jeito nenhum. Por pior que fosse, Bin Laden não poderia ter sido tratado como foi: barbaramente baleado, embora estivesse desarmado, indefeso e já fora do comando da Al Qaeda.
Espantosa a diversidade de narrativas que se propagam sobre a morte de Osama Bin Laden. A convicção e a fúria com que tantos as difundem, disseminando versões absolutamente contraditórias, são um sinal de que a história desse extraordinário acontecimento certamente o mais marcante episódio da guerra ao terror declarada pelos Estados Unidos há uma década está longe de ser devidamente contada.
Confesso, por um lado, minha enorme curiosidade em relação ao tema. Não sei se pela coincidência de estar em Washington quando a morte de Bin Laden foi anunciada, ou pela óbvia importância da notícia, tenho dedicado razoável tempo à leitura de várias publicações estrangeiras e nacionais, de diferentes perfis ideológicos e editoriais, na tentativa de entender melhor o assunto.
Divido com vocês três (modestas) conclusões a que cheguei:
Primeira
Uma bobagem essa conversa, intensamente repetida no Brasil por alguns analistas de esquerda, blogueiros e antiamericanistas em geral, de que Bin Laden já não comandava a Al Qaeda ao ser morto pela força especial da Marinha americana. Não foi só farto material pornográfico que os oficiais de inteligência dos EUA encontraram nos computadores apreendidos na fortaleza que abrigava Bin Laden no Paquistão. Funcionários do governo Obama já vazaram que os arquivos digitais trazem novas evidências de que Bin Laden continuava em plena operação. Além de ser a mais notória face externa e o grande símbolo da Al Qaeda, ele atuava na captação de recursos financeiros e na coordenação política e ideológica. De fato, não vinha cuidando de questões de estratégia militar e de preparação de ações armadas, mas essa área jamais foi o seu forte. Vale lembrar que Bin Laden foi, assumidamente, o mentor, mas não o estrategista militar dos atentados de 11 de setembro de 2001.
Segunda
Aparentemente procedem as críticas quanto à inobservância de alguns aspectos jurídicos fundamentais na operação desencadeada pelos Estados Unidos, no último dia 1º, para pegar Bin Laden. Ocupar o território de outro país (o Paquistão, claro), sem prévio aviso, para uma ação armada é algo que soa, sem nenhuma dúvida, abusivo. Levemos em conta, porém, que está mais do que evidente que o chefe da Al Qaeda contou com a conivência de gente influente no governo e nas Forças Armadas do Paquistão para viver cinco anos naquele país sem ser incomodado. Você aí, no lugar do Obama, avisaria antes ao governo paquistanês, correndo o risco de perder mais uma vez o inimigo que o seu país perseguia há mais de uma década? Porque, você sabe, não era um homem qualquer, e sim alguém envolvido em ações que tiraram a vida de milhares de inocentes, não apenas nos Estados Unidos, mas também em nações como Espanha, Quênia, Tanzânia e Reino Unido. Uma pessoa que andava com o prestígio em forte declínio mesmo entre os muçulmanos mais radicais. E, se optasse por avisar e visse Bin Laden fugir, o que diria depois para uma opinião pública interna que sempre questionou sua suposta falta de pulso? Ou seja: a questão é mais complicada, tanto que nenhum país até agora procurou qualquer organismo internacional para formalizar uma denúncia ou uma crítica aos EUA.
Terceira
Ou por estratégia deliberada, ou por necessidade de ceder à pressão feita pela imprensa para ter acesso a mais detalhes sobre a operação que matou Bin Laden, o governo Obama vai liberando informações aos poucos, em prestações. A maior discussão neste momento se dá em torno das fotos feitas de Bin Laden durante a operação do dia 1º. Diante da intransigência da administração Obama em fornecê-las, a agência Reuters ameaça entrar com processo para obtê-las pela via judicial. Desconfio que, mais dia, menos dia, essas imagens horríveis, segundo políticos democratas e republicanos que as viram virão à tona.
Mais difícil será uma mudança na política de defesa norte-americana. Obama não ousou mexer nesse setor, que continua sendo dominado pelos republicanos e tratado como um terreno sensível, no qual novos métodos não são bem-vindos. Uma postura de maior abertura das informações, tornando públicos dados hoje mantidos em segredo sob a justificativa da necessidade de segurança, seria o mais revolucionário desses novos métodos. Permitiria comprovar ou não as acusações de que a descoberta do bunker de Bin Laden só foi possível graças à tortura de investigados, na odiosa prisão de Guantánamo (que Obama prometeu fechar, mas continua em funcionamento). Ou conhecer em detalhes a ação em Abbottabad, incluindo a exata resistência enfrentada pelos oficiais americanos. Enquanto não chegamos nesse nível de transparência (será que chegaremos?), estejamos atentos para as armadilhas das versões enganosas que, à direita ou à esquerda, tentam nos impingir.
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