De acordo com o que dizem alguns que têm alguma convivência com a presidenta Dilma, ultimamente, nas suas conhecidas explosões de mau humor, ela anda se queixando que está cansada de ter que negociar tudo com o Congresso Nacional. Nada sai sem um preço alto, geralmente contabilizado em cargos e emendas. Dilma está com medo da crise mundial, não quer gastar, e tem uma delicada agenda a pressioná-la neste final de ano, com a necessidade de prorrogar a DRU (Desvinculação das Receitas da União) e de mandar para o espaço o aumento dos gastos com a saúde na hipótese da aprovação da Emenda 29, o desafio de ontem (7) à noite.
É o cenário ideal para alguns dos parceiros que Dilma arrumou no ano passado para se eleger, uma turma que adora criar dificuldade para vender facilidade. Quando o mordomo lhe apresenta a conta, Dilma explode.
Bem, presidenta, bem-vinda ao mundo real. Assim é o modelo de governança que ela e seus antecessores nesta atual experiência democrática brasileira escolheram. Como não há absolutamente nada nesta base aliada – do ponto de vista programático e ideológico – que consiga unir pessoas de pensamento tão díspares como, digamos, Jair Bolsonaro, do PP, e Marta Suplicy, do PT, para ficar só em dois exemplos, a costura se dá pelo loteamento do poder.
O governo central dispõe das benesses que a Constituição lhe garante, e a base, em troca, lhe concede os votos. Como a caixinha do governo é bem mais limitada que a fome dos seus aliados – e como os interesses partidários nem sempre são lá muito limpos e defensáveis –, a lógica que move essa relação é de crise permanente. É preciso que haja sempre um pepino de tamanho razoável que precisa ser descascado em troca das verbas, das emendas, dos cargos etc. Exige um saco de filó. De vez em quando, o saco, naturalmente, enche. E Dilma explode.
O que aconteceu no Senado nos últimos dias é um exemplo clássico, de almanaque, de como se dá essa relação. Uma semana antes de perder a paciência e meter o dedo na cara do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), o senador Demóstenes Torres (DEM-GO) tinha feito um comentário que mostrava claramente que ele tinha compreendido a parada. Surpreendendo a todos, Sarney colocou em discussão a Emenda 29, gerando um barata-voa na base de sustentação do governo e atiçando a oposição. Depois, jurou que tinha sido um “engano”. Demóstenes resumiu: engano não, porque “de ingênuo, o senhor não tem nada”.
Na verdade, o “engano” de Sarney era já o segundo ato da pantomima ensaiada pelos peemedebistas. Alguns dias antes, sem combinar com o Palácio do Planalto, o líder do governo, Romero Jucá (PMDB-RR), negociara com a oposição colocar em votação a Emenda 29 em troca do fim da tática de obstrução que os oposicionistas faziam contra a emenda que prorroga a DRU. O que Sarney fazia era seguir nessa toada. Ora, trocar a DRU pela Emenda 29, para um governo que quer economizar dinheiro, é trocar seis por meia dúzia. Em troca de desvincular bilhões em recursos que poderia usar livremente – ou não usar –, o governo aceitaria votar uma emenda que tem por propósito justamente vincular bilhões em recursos para um setor, no caso a saúde.
Ao final, dado o susto, criada a dificuldade, tratou o PMDB de vender a facilidade. Votou-se a Emenda 29, ficou parecendo que o governo ia perder e, no final, o PMDB arrumou os votos para aprovar o substitutivo do líder do PT no Senado, Humberto Costa (PT), que mantém o atual patamar de destinação de recursos federais para a saúde. A desenvoltura do PMDB na votação de ontem era tanta que, em determinado momento, Humberto desabafou: “Me sinto aqui apenas líder de mim mesmo”. Eram os peemedebistas que encaminhavam, apontavam os caminhos, faziam as negociações e estratégias.
Foi criado o embrulho, ele foi desembrulhado, e o recado do PMDB foi dado. Um recado que serve para os futuros propósitos da presidenta: ela quer no início do ano enxugar o número de ministérios e torná-los mais técnicos? Primeiro, precisa conversar com a turma que tem votos no Congresso. Ao final, é possível que prevaleça tudo como está: cargos à vontade para que os aliados, como o PMDB, pendurem seus políticos, que nada entendem das áreas que irão comandar. E a manutenção da usina de escândalos vai ser culpa dessa imprensa golpista, que insiste em continuar fazendo seu trabalho.
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