Márcia Denser
Tentando fazer um balanço do ano que passou, eis algumas leituras – e por “leitura” leia-se interpretação, consideração, reflexão, julgamento, discriminação e seleção – de artigos, livros, revistas, sites, fatos, eventos, contextos, gente e coisas que se evidenciaram em 2005, para o melhor e o pior:
1 – Eu sei que aparentemente esta é uma análise contra a corrente, Ronaldinho Brasiliense que me perdoe, apreciei muito o seu “2005: Ano Que Não Passou”, mas eu gostaria de iluminar a coisa de outro ângulo, may I?
Entre as melhores coisas do ano, considero que a democracia avançou no Brasil. Por quê? No futuro, 2005 talvez seja considerado o Ano da Crise Política, Institucional e Jornalística no Brasil, pois foi quando um líder político e popular – eleito presidente por esmagadora maioria, e tendo, pela primeira vez na história, a chance de ser governo em nosso país – foi implacavelmente massacrado pela ultradireita, as eternas elites de plantão e a mídia que lhes é correspondente, em confronto aberto e sem precedentes, malgrado todos os seus erros e acertos, mas não foi alijado do poder por golpes militares e quejandos, como no passado, ou pelo impeachment, como atualmente (uma vez que seus articuladores reconheceram que não teriam apoio popular para tanto).
Em síntese, acho que esta é uma “leitura” isenta e objetiva do contexto histórico. Quer dizer, estou apenas constatando um fato. O processo democrático no Brasil avançou porque a Democracia é a única sociedade e regime que considera a crise ou o conflito como algo legítimo, como direito a ser reconhecido e respeitado, o que, quando organizado socialmente, limita o poder do Estado. E a democracia avança precisamente graças à denúncia e à vigilância permanente das instituições, leis, operações e ações públicas, isto é, avança por causa da crise.
2 – Duas entrevistas à imprensa foram marcantes: a do sociólogo Francisco (Chico) de Oliveira, um dos fundadores do PT, dada dia 11 de julho ao jornal Brasil de Fato, e a do procurador da República Luiz Francisco Fernandes de Souza dada ao Congresso em Foco em 2 de dezembro (outra vez o Ronaldo), e ambas por vincularem visões objetivas, isentas, ousadas da realidade brasileira.
O fato de o procurador Luiz Francisco (o mesmo que cassou Luiz Estevão e fez o governo FHC passar maus pedaços) dizer, por exemplo, que o governo Lula não inaugurou nada, “que a corrupção no Brasil é estrutural, ligada às estruturas sóciojurídicas vigentes, que se o Lula errou foi porque as manteve, mas que são estruturas criadas por tucanos, pefelistas e governos anteriores, que os bancos deveriam ser estatizados e seus donos presos, que este é o setor dos parasitas, que aqui se cobram os juros mais altos do mundo e que a contradição gigantesca é Lula ter dado continuidade à política econômica malanista de FHC, com Palocci”, o fato dum procurador da República dizer tudo isso não soa como música aos nossos ouvidos?
Apesar de ele dizer o óbvio, o que todos nós estamos cansados de saber? Aliás, só o fato de existir um procurador da República que é duma corrente jurídica do direito alternativo ligado à Teologia da Libertação e ao jusnaturalismo me parecer algo raro neste país onde preponderam o arbítrio e o privilégio!
3 – A edição de dezembro “A Direita Brasileira” da revista Caros Amigos, uma pesquisa excelente, abrangendo as relações da direita com a política, economia, educação, mídia, justiça, religião, forças armadas (faltou documentar a arte e a literatura). Vejam o editorial, “Direita, eu?”: “O direitista não se reconhece como tal. Embora seja facilmente identificável, ele se considera centrista, alardeando que a virtude está no meio, aproveitando-se de uma tirada aristotélica. Seus atos e convicções porém são inocultáveis. Ele tem certeza de que jamais existirá – nem ele aceitaria – a distribuição da riqueza entre os homens, por mais que ela tenha resultado do trabalho de todos”.
A propósito, o escritor e jornalista Renato Pompeu, secretário da redação, faz uma observação interessante:” A direita brasileira é uma das mais espertas do mundo, porque entregou a pesquisa universitária à esquerda, para que esta estudasse os movimentos populares e assim ela ficaria bem informada – enquanto praticamente não há quem estude a própria direita e as elites em geral”.
4 – Hilariante: um artigo do escritor (who?) Cesar Cardoso “Nova Constituição Brasileira” (Caros Amigos, novembro). Entre outras, ele escreve coisas assim:
“1. Dos Seres Humanos
Todos os homens são iguais perante a lei e perante Deus, menos pobre e preto, porque pobre e preto faz logo favela, pagode, baile funk e aí vira bagunça. Nordestino também é suspeito. E mulher tá fora, porque os homens é que são iguais, e mulher, como todo mundo sabe, não é homem. Veado e sapatão é doença e Deus castiga, nem entra na Constituição”.
É mole?
5 – Agora, se me permitem, bom mesmo é o pluralismo editorial de Congresso em Foco – por incluir no mesmo saco de gatos tendências/opiniões/filiações as mais diversas e controvertidas, trancar e jogar a chave fora! Assim não é apenas um “best”, agora tornou-se um “must” (com o perdão do jogo de palavras e da puxa-saquice pânica, que não sou nem de um e nem de outro).
E por hoje, ficamos por aqui, semana que vem tem mais leituras, ok?
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