A brincadeira do papa Francisco com os jornalistas, a bordo do avião que o trazia ao Brasil para a Jornada Mundial da Juventude, deu o tom nada convencional do que seria sua visita de uma semana ao país, que vive um momento de mudanças e conflitos entre a população e o Estado. Francisco deixou fortes marcas em sua passagem por aqui, não apenas como o maior líder religioso do mundo, mas como um líder de pensamento moderno e aberto ao diálogo com toda a sociedade.
A espirituosa e inédita alusão ao nosso hábito de brincar com esses dois assuntos, sobretudo depois da eleição de um papa de nacionalidade argentina, deu início a um ciclo de inesperados pronunciamentos. Muitos deles tiveram como tema as inquietações da juventude brasileira que vieram à tona no mês de junho, durante a Copa das Confederações, pouco antes da visita papal. Francisco sem dúvida entendeu que a Jornada Mundial da Juventude não poderia deixar de refletir essa situação e soube interpretar em seus discursos tudo o que estava acontecendo a sua volta.
Acompanhei aqui de Brasília a visita do papa Francisco, sempre procurando entender suas palavras como lições que extrapolam a mera doutrina católica. Para mim ficou evidente que suas palavras vão muito além da religião, sobretudo quando Francisco ia direto ao ponto nos comentários acerca dos protestos, que continuaram a ocorrer depois de sua chegada, motivados até mesmo pelos gastos públicos gerados por sua visita ao país:
“Um jovem que não protesta não me agrada. Porque o jovem tem a ilusão da utopia, e a utopia não é sempre negativa. A utopia é respirar e olhar adiante.”
Eis aí uma síntese perfeita para o momento que vivemos. Naturalmente, não posso deixar de transpor esse pensamento para o nosso contexto, o mundo dos concursos. De fato, vejo muita afinidade entre o universo dos concursos públicos, com todos os abusos que a omissão legislativa propicia, e o direito de protestar contra o que o jovem considera errado, tão amplamente defendido pelo papa. Vale lembrar que, na condição de coordenador do Movimento pela Moralização dos Concursos (MMC), em diversas ocasiões mobilizei os concurseiros para a defesa de mudanças nas regras dos certames, mobilizações essas que – me causa muita satisfação constatar – resultaram em importantes vitórias.
É nesse sentido que as declarações do papa são um incentivo para que o candidato a concurso público não se deixe abater por uma prova facciosa ou mal-elaborada, por critérios de correção despropositados, por direitos desrespeitados ou mesmo por desonestidade na elaboração de gabaritos. Infelizmente, posso citar um exemplo recente de tudo isso: a seleção para 220 vagas de Analista de Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG). Nas provas, aplicadas no último dia 28 pela Funrio, sete questões foram reproduzidas do certame de 2012, cuja banca organizadora era a Unirio. Diante dos protestos, a Funrio reconheceu o plágio, praticado por um membro da banca, e decidiu atribuir os pontos das questões a todos os candidatos, de modo a não alterar o resultado final do concurso.
Os protestos que levaram à decisão da Funrio são do tipo salutar, e devem inspirar outras ações idênticas sempre que os inscritos em concurso descobrirem irregularidades de qualquer natureza. Não se trata apenas do velho e conhecido jus sperneandi, o direito de protestar sem resultado. Ao contrário, é, efetivamente, um exercício de cidadania, que deve ser permanentemente praticado, como reconhece o Papa Francisco. Temos a obrigação, por exemplo, de nos manter atentos à tramitação, na Câmara dos Deputados, do projeto de lei que estabelece regras definitivas para os concursos públicos. A proposta foi aprovada antes do recesso parlamentar pelo Senado Federal, e não podemos deixar que esse importante avanço para a moralização dos concursos seja desperdiçado ou engavetado na Câmara. Para evitar que isso aconteça, vamos nos mobilizar novamente, principalmente se sentirmos “cheiro de pizza” no ar.
Por fim, quero lembrar outra declaração do papa Francisco que considero um precioso ensinamento para todos nós, no Brasil de hoje. O Papa prega a necessidade do diálogo como contraponto da violência que muitas vezes contaminam os protestos legítimos das ruas. Um país cresce quando dialogam de modo construtivo as suas diversas riquezas culturais, ensina Francisco. Eis o que ele disse:
“Entre a indiferença egoísta e o protesto violento, há uma opção sempre possível: o diálogo. Quando os líderes dos diferentes setores me pedem um conselho, a minha resposta é sempre a mesma: diálogo, diálogo, diálogo.”
Em termos pragmáticos, acredito que os concurseiros devem se preparar para encontrar as palavras do Papa muito em breve, nas provas dos próximos concursos. A visita de Francisco ao nosso país foi tão marcante que não deve passar em branco na elaboração de questões pelas bancas examinadoras. Como estratégia de preparação, é bom informar-se sobre tudo o que Sua Santidade disse, para que fique mais fácil o caminho até um feliz cargo novo!
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