Antonio Vital
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Ninguém no Palácio do Planalto ou na cúpula do PT exibe o menor sinal de preocupação em relação às eleições de 2006. A reeleição de Lula e sua turma é dada como certa ou, no mínimo, é encarada como um fenômeno natural tão previsível como o das voltas que os planetas dão em torno do sol. Essa turma encara como azarões eventuais adversários como Geraldo Alckmin (PSDB), apelidado de "picolé de chuchu" por sua aparente falta de carisma, ou Anthony Garotinho (PMDB), chamado de nomes menos respeitosos. Pois o "picolé de chuchu" e seus tucanos deram uma surra nos petistas em São Paulo e cidades vizinhas, ficando com 90% do controle da região mais rica do país. Abocanharam mais prefeituras que o PT no primeiro turno e saem do segundo turno no comando de 12 milhões de eleitores a mais que o partido do presidente Lula. O PT fez os prefeitos de 411 municípios que somam 17 milhões de eleitores (14,2% do total no país), enquanto os tucanos dominam 871 cidades, onde residem 25,6 milhões de eleitores (21,4%). Como informou Fernando Rodrigues, na Folha de São Paulo, o PSDB sai das eleições no comando de 19 das 96 cidades mais populosas e ricas do país, lugares onde moram 13,5 milhões de eleitores. Já os petistas viram seu naco nesse universo cair de 29 para 24 cidades e o número de eleitores sob sua administração despencar de 19,6 milhões para 10,46 milhões. O que aconteceu? Simples: o PT está perdendo a classe média e a força nos grandes centros, onde sempre foi forte, e expandindo seu eleitorado para os rincões, onde sempre foi fraco. Está encolhendo nos bairros nobres e indo para a periferia. Esse fenômeno costuma atingir todos os governos mais cedo ou mais tarde. Para o PT, começou cedo demais e seus estrategistas não parecem ter se dado conta. O PSDB só ultrapassou o PT em número de eleitores porque o partido de Lula perdeu cidades grandes. Para limitar o raciocínio às capitais: perdeu São Paulo (SP), Porto Alegre (RS), Goiânia (GO), Curitiba (PR) e Belém (PA). Os tucanos, por sua vez, ganharam em São Paulo (SP), Curitiba (PR), Florianópolis (SC), Teresina (PI) e Cuiabá (MT). Isso significa que o PT não tem nenhum prefeito de capital abaixo de Vitória (ES). Não conseguiu manter as administrações petistas em São Paulo (SP), Porto Alegre (RS), Curitiba (PR), Goiânia (GO), Caxias do Sul (RS), Pelotas (RS), Maringá (SP) e Santos (SP). Isso sem contar os revezes sofridos no primeiro turno em Ribeirão Preto (SP), Piracicaba (SP), Campinas (SP) e Sorocaba (SP). O mesmo fenômeno ocorreu em outras cidades grandes, ainda que as disputas tenham sido sempre apertadas. Em Ponta Grossa (PR), o tucano Pedro Wosgrau foi eleito com 51,78% dos votos válidos, contra 48,23% do petista Péricles de Holleben. Além disso, algumas vitórias petistas no segundo turno não têm a marca da estrela vermelha. Em Fortaleza, Luizianne Lins foi eleita com um discurso de oposição e apoio envergonhado do PT federal. Em Duque de Caxias (RJ), o ex-radical Lindberg Farias ganhou devido à forte reação local contra o clã Garotinho e graças à ajuda do prefeito do Rio, César Maia. Os cardeais petistas, se tiverem o trabalho de voltar a examinar as pesquisas qualitativas feitas ao longo da campanha, vão perceber que o fenômeno pode ser mais grave para as suas pretensões do que imaginam. Eles vão descobrir, por exemplo, por que a classe média esté abandonando o PT. E o motivo não é a economia. É a insatisfação com o modo petista de governar. Quando a classe média escolheu Lula e conseguiu espalhar a preferência para as demais faixas da população, uma das razões foi a esperança de mudança nas práticas tradicionais da política nacional – e não na economia, já que Lulinha Paz e Amor deixou claro que tudo continuaria igual. A eleição de domingo reforçou essa interpretação, com a defenestração do casal Garotinho em Caxias e Campos, depois de uma campanha em que a máquina pública foi usada descaradamente e sem pudor. Quando os pragmáticos do Palácio do Planalto adaptam sua necessidade de composição política à surrada tese da governabilidade e usam para isso moedas conhecidas, como cargos e liberação estratégica de verbas para aliados, alguns deles muito estranhos, estão decepcionando os eleitores que acreditavam em mudanças. Foi isso que fez com que a popularidade do governo despencasse subitamente no início do ano, com o caso Valdomiro Diniz, quando estava no auge. Essa insatisfação ainda não atingiu o presidente Lula, mas já alcançou o PT. E é isso que faz com que rótulos negativos manuseados pela oposição "colem" com facilidade nos petistas. É o que aconteceu com Marta quando chamada de "arrogante". Em relação a Lula, algumas características de seu governo facilitam estratégias do gênero e ele já deveria começar a se preocupar com expressões como "centralizador", "pouco transparente", "fisiológico" e "ávido de poder". Contra elas, o eleitor pode escolher outro símbolo, até mesmo um "picolé de chuchu" com fama de ser sério. |
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