Morre bebê deixado por mãe em lixo de hospital em Jundiaí.
Mais dois recém-nascidos são abandonados em São Paulo
Bebê é abandonado em Manaus.
Recém-nascido é abandonado embaixo de árvore no Rio Grande do Sul.
Bebê é abandonado em caçamba.
Casal encontra bebê abandonado em terreno baldio no Distrito Federal.
Criança é encontrada morta dentro de saco plástico em Belo Horizonte. Bebê é encontrado em carro abandonado na Paralela.
Pais abandonam bebê de dois meses em São Paulo.
As frases acima assustam, mas são realidade. A cada dia, aumenta o número de casos de recém-nascidos ou bebês deixados nas ruas, à mercê da própria sorte. Alguns conseguem ser salvos, e o fato rapidamente vira destaque na imprensa. Outros (quantos?) sequer têm a chance de serem descobertos.
Embora exista, no mercado, grande variedade de métodos contraceptivos, parte da população, por miséria ou desinformação, encontra no abandono a única forma de se livrar de algo que considera um problema, seja por falta de condições econômicas, ou pela gravidez ser indesejada ou ainda por pressões ou problemas psicológicos dos pais e mães.
Em 2008, a partir de um projeto do IBDFAM Instituto Brasileiro de Direito de Família, tive a oportunidade de apresentar na Câmara dos Deputados um projeto de lei (PL 3.220/08) que trata do parto anônimo. E o que é o parto anônimo? Uma alternativa para que a mulher que não pode ou não quer o filho, seja atendida de forma gratuita em hospital da rede pública, durante toda a gravidez, sem ter de fornecer seu nome ou seus dados. Com sua identidade preservada, a grávida cuida de sua saúde pré-natal e realiza o parto com todas as condições sanitárias necessárias. Depois, a criança é colocada à disposição para ser adotada por uma família. A mãe deve, ainda, autorizar que o filho seja adotado, renunciando ao poder familiar.
Diversos países já adotam legislação semelhante, como alternativa às mães que não querem abortar ou abandonar seus filhos. Esses países oferecem opções que, além de salvar a vida do bebê, eximem as genitoras de qualquer responsabilidade judicial. Depois da criação das famosas janelas-camas, em hospitais austríacos e alemães, onde a mãe pode, sem ser identificada, entregar o recém-nascido para posterior adoção, hospitais da França e de Luxemburgo institucionalizaram o chamado parto anônimo. Também nos Estados Unidos, 28 dos 50 estados permitem essa iniciativa.
Quanto ao consentimento para dar o filho em adoção, é importante salientar que ele deve ser dado num certo período após o parto. Na Bélgica, o prazo é de dois meses após o parto; na Grã-Bretanha, de seis semanas; na Alemanha e na França, dois meses; no Paraguai, 45 dias; na Áustria, oito semanas, e na Suíça, o Código de Família estabelece que o consentimento da mãe não será dado até que ela tenha se recuperado suficientemente depois do parto, para que a mulher não esteja mais em estado puerperal.
Na nossa avaliação e do IBDFAM, o parto anônimo tem diversas vantagens: atende a mulheres que, por motivos de consciência ou religião, não querem abortar nem abandonar a criança; nos países em que é permitido, o número de abandono de recém-nascidos e de infanticídio diminuiu consideravelmente, e também é uma forma de combate ao tráfico internacional de crianças, já que as mulheres têm assistência hospitalar do Estado na hora do parto e a garantia de que a criança vai ser encaminhada a uma família.
A principal questão, do meu ponto de vista, é regularizar essa situação, oferecendo melhores condições às mães e maiores possibilidades de vida para as crianças. Como diz Rodrigo da Cunha Pereira, presidente do IBDFAM, em outro artigo sobre o tema, a historia de crianças abandonadas pela mãe, pelo pai e pelo próprio Estado sempre existiu. Mesmo que o Estado deixe de se omitir em suas políticas públicas de atenção às famílias e planejamento familiar, diminuindo drasticamente o índice de crianças e adolescentes abandonados, ainda assim continuariam existindo atos de insanidade e desrespeito à vida porque estes são da ordem particular e moral. Se voltarmos alguns séculos na história, veremos registros das conhecidas rodas dos abandonados. Por razões diversas, naquela época as mulheres deixavam seus filhos na portinhola de um convento ou igreja, preservando sua identidade, e avisavam a instituição por meio de um sino ou campainha.
O abandono de recém-nascidos é uma realidade. E quem abandona um bebê comete crime e deve responder judicialmente. Mas criminalizar a conduta da mãe ou pai que abandona não basta para evitar as trágicas ocorrências. A criminalização da conduta, na verdade, agrava a situação, pois os genitores, por temor à punição, acabam por procurar maneiras, as mais clandestinas possíveis, para lançar literalmente – os recém-nascidos à própria sorte. É essa clandestinidade do abandono que confere maior crueldade e indignidade aos recém-nascidos.
Assim, o projeto tem amplo respaldo jurídico na Constituição Federal, ao assegurar a dignidade humana (art. 1º, III), o direito à vida (art. 5°, caput) e a proteção especial à criança (art. 227), bem como no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei 8.069/90), ao assegurar a efetivação de políticas públicas relacionadas à educação e ao planejamento familiar que permitam o nascimento e desenvolvimento sadio, em condições dignas de existência (art. 7°).
Por fim, o projeto não é, como alguns podem argumentar contrariamente, uma forma de legitimar o abandono. Antes, sim, trata-se de um projeto que, se aprovado, permitirá a milhares de crianças terem a chance de sobreviver de forma digna. Afinal, como determina o Estatuto da Criança e do Adolescente, toda criança tem direito à vida, saúde, liberdade, educação, cultura e dignidade”.
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