O discurso de Aécio Neves (PSDB-MG) na tribuna do Senado na terça-feira (6) foi o primeiro sopro de vida da oposição após a posse de Dilma Rousseff. Se alguém ainda tinha dúvidas de que ele se tornou a principal referência política do grupo contrário ao governo, essa dúvida foi dissipada pelo discurso, que durou a tarde inteira no Senado. Plenário lotado, inúmeros apartes. Há muito tempo alguém não merecia tanta atenção dos colegas como Aécio. Discursos com audiência semelhante nos últimos tempos tiveram objetivos bem mais constrangedores para seus protagonistas: aconteceram para José Sarney (PMDB-AP) e Renan Calheiros (PMDB-AL) se explicarem das acusações que ameaçavam seus mandatos.
Aécio não é um grande orador. Seu estilo é empolado. Antiquado. Destoa um bocado do seu jeitão de playboy. Fica parecendo quase um caso de dublagem mal feita: puseram a voz de Tancredo, na imagem que ficou de um velhinho de quase 80 anos, no neto bem mais novo. Mais, porém, do que a forma de Aécio dizer as coisas, ou mesmo do conteúdo do que disse, está o que Aécio representa. Ele foi o que sobrou incólume de uma oposição que, após a eleição do ano passado, ficou completamente desmantelada. O que pareceu ter ficado claro durante o discurso foi uma sensação, da parte dos oposicionistas, de que ou se agarram a Aécio ou não terão outra bóia à disposição. José Serra vai ter que se conformar.
O discurso demarca algumas diferenças. Foi um discurso crítico, duro, de oposição. Mas sem o histrionismo e a agressividade que demonstrava, por exemplo, o ex-senador Arthur Virgílio (PSDB-AM) na oposição ao governo Lula. E, principalmente, numa linha bem diversa da que levou José Serra a dar com os burros nágua na eleição de 2010. Diante da popularidade do governo Lula, Serra adotou uma estratégia de tentar se descolar do governo Fernando Henrique Cardoso para evitar que o debate se marcasse pela comparação entre os dois. Acabou criando uma coisa esquizofrênica para o eleitor: se não representava as ideias anteriores, se não queria discutir as ideias atuais, por que razão o eleitor trocaria de rumo para votar nele? Aécio procurou construir a tese de que os avanços obtidos pelo país são fruto de um processo em que os antecessores de Lula também tiveram papel importante. E, nesse ponto, teve o auxílio luxuoso do ex-presidente e hoje senador Itamar Franco (PPS-MG), que fez o Plano Real e conduziu o Brasil à estabilidade econômica.
E lembrou de algo que não deve ser algo muito confortável para o PT: o fato de que, em momentos cruciais do passado, como no caso mesmo do Plano Real e em outros ainda mais graves (não votou em Tancredo Neves, não assinou a Constituição, ajudou a depor Fernando Collor mas não quis participar do governo Itamar Franco), o PT omitiu-se ou ficou do lado oposto. Por, nesses momentos, pensar mais em si mesmo por cálculo eleitoral do que no país, na visão de Aécio.
Se Aécio encontrará um eixo para se opor ao governo de forma consistente, capaz de realmente conduzi-lo, como ele deseja, à condição de candidato competitivo à Presidência em 2014, ainda é bem cedo para dizer. Mas o interesse pelo discurso, tanto do governo quanto da oposição, mostra que ele vai se tornando mesmo a única alternativa de que a oposição dispõe.
Aécio faz seu primeiro discurso como senador num cenário nunca visto antes de desmantelo das oposições. É impressionante como a vitória de Dilma desnorteou essas forças políticas. Eles realmente não se prepararam ainda que muito antes das eleições isso já fosse algo absolutamente concreto para a hipótese de perderem novamente. No PSDB, Serra ainda não compreende que seu tempo passou e cria as dificuldades que pode para a consolidação de Aécio como a próxima aposta. O DEM desmancha-se. Mesmo o PV parece não compreender bem o papel que lhe caberá no cenário político após o surpreendente desempenho de Marina Silva nas eleições, e divide-se.
Já usei aqui uma vez uma imagem da minha amiga Denise Rothenburg, jornalista do Correio Braziliense, de que gosto muito. Ela diz que desconfia que nenhum político do DEM tenha alguma vez tirado carteira de motorista, já que a vida inteira tiveram carro oficial e chofer. A derrota com Serra parece ter levado boa parte do DEM ao desespero de se ver diante da terrível hipótese de passar mais oito anos longe do poder. Não há outra explicação para a criação do PSD de Gilberto Kassab e a sua lista de adesões. Um partido que nasce com a pretensão confessa de não ser nada exatamente para poder ser tudo o que eventualmente pintar. Que se orgulha em dizer que não é de direita nem de esquerda para poder se encaixar em qualquer configuração que couber no futuro. Afinal, aderir sempre parece ser um caminho mais fácil do que se apresentar como alternativa. Que o diga o PMDB.
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