Márcia Denser
Coluna passada, eu havia prometido continuar com Bourdieu, mas vou ter que adiar o pensador francês, porquanto um intelectual brasileiro rompe o silêncio (o que não é pouco atualmente) e decide falar, ou melhor escrever, doa a quem doer. Trata-se do filósofo Paulo Arantes[1], que acaba de lançar pela Boitempo da competente Ivana Jinkings o livro Extinção (da coleção "estado de sítio", que ele também coordena), obra absolutamente imprescindível para se entender em profundidade porque aos rumos da política mundial correspondem os descaminhos da política local. Aliás, o eixo que percorre esse livro de filosofia política é o que relaciona o "novo capitalismo" com a "sociedade pós-catastrófica" em que vivemos.
Trata-se duma crítica radical, sem subterfúgios e sem concessões, impiedosa no sentido marxista – antes aquele marxismo sombrio e sem ilusões dos frankfurtianos, aos quais o autor se filia – do mundo em que vivemos, da “cruel máquina capitalista de moer”, do estado de sítio permanente.
Glosando o pensamento do autor, Laymert Garcia dos Santos[2], que assina o prefácio, assinala que não foi por acaso que ele escolheu o termo extinção como título dessa coletânea de ensaios e entrevistas elaborados no pós-11 de Setembro e depois da eleição de Lula à Presidência da República, porque Arantes “se insurge não contra as idéias dominantes, mas contra a própria ausência de pensamento que contamina nossos contemporâneos e suscita tanto a generalização da cretinice e do oportunismo em matéria de política quanto o embotamento da percepção. A idéia é chamar a atenção para a provável falência da elite intelectual, que parece jogar a toalha ao desistir, a um só tempo, do Brasil e da reflexão sobre o processo histórico em curso”. É a “extinção da inteligência dos inteligentes”, ou melhor, “do ajuste intelectual tucano-petista, que se esmera em tornar tolerável o intolerável”.
E a hora é a pior possível, pois, segundo o autor, tal extinção acontece no momento exato em que mais se precisaria dum pensamento para formular as condições em que se dá a formação de um “bloco histórico de crueldade social”, despontando o fascismo como “onda do futuro”. A tarefa da reflexão seria urgente, mas como o problema não é sequer socialmente colocado, a tensão entre os dois pólos do paradoxo aumenta: à violência e à barbárie onde estamos mergulhando corresponde o aprofundamento da barafunda mental dos atores sociais, se o paradoxo ele próprio já não fosse o sintoma da concretização duma catástrofe aparentemente silenciosa e muda, que não consegue ganhar expressão política.
O que precisa ser denunciado é a articulação entre a estratégia das forças vencedoras da era da globalização no plano da geopolítica e o modo como essa mesma estratégia se compõe com as forças internas da sociedade brasileira, conforme observa Laymert com precisão cirúrgica: “Se é que ainda podemos chamar ‘sociedade’ e ‘brasileira’ a esse imenso acampamento de excluídos e explorados dominado por uma lumpemburguesia rentista e
Deixe um comentário