Fábio Góis
Um dos mais importantes pintores do século 17, o holandês Rembrandt Van Rijn (1606/1669) é autor de uma das obras de arte mais intrigantes e instigantes da história. Trata-se de A volta do filho pródigo, quadro barroco inspirado na parábola bíblica (Lucas 15, 11-32) que conta a história de desvios, perdão e proteção paternal protagonizada por um pai e seus dois filhos de vidas opostas.
Em suma: o filho mais novo se apossa do dinheiro do abastado pai, cai numa vida pregressa e, na bancarrota moral e financeira, regressa. O pai o acolhe com carinho e comiseração. Durante todo o tempo em que o caçula se perdia em hábitos mundanos, o irmão mais velho dava exemplo de bom filho. E, por isso, não entendia a atenção excessiva que o pai dedicava ao errante, mesmo depois de tanto desgosto, enquanto ao filho exemplar era dispensado o tratamento corriqueiro. Eis o drama.
O que a obra de Rembrandt tem a ver com a política brasileira? Tudo. Nossa relativamente nova República (ou seria novo o povo?) dá seguidos exemplos de tolerância e perdão a debandadas ou supostos desvios de alguns de nossos políticos. Tanto é verdade que muitos “pródigos”, depois de uma ou mais legislaturas afastados do Parlamento brasileiro, estão de volta para a jornada 2007/2011, arrependidos ou não de seus deslizes – se é que eles existiram, claro.
Alguns, como Valdemar Costa Neto (PR-SP) e Paulo Rocha (PT-PA), renunciaram ao mandato após terem sido envolvido em escândalos (no caso, o do mensalão). Outros sofreram derrotas eleitorais ao tentar vôos mais altos, como cargos no Executivo estadual ou federal. E houve aqueles que simplesmente não se reelegeram, entre outros motivos. Mas o fato é que agora estão novamente credenciados pelo povo (o “pai” da parábola?) para trabalhar pelo bem da nação.
A bancada dos que já foram e agora voltam é farta. Reúne pelo menos 45 deputados e sete senadores de partidos tão distintos quanto suas próprias trajetórias políticas (veja a lista completa). Alguns deles voltam ao Parlamento tentando se livrar dos fantasmas que, no passado, os conduziram do céu ao inferno político. Na Câmara, os exemplos são fartos: Paulo Maluf (PP-SP), José Genoino (PT-SP), Antonio Palocci (PT-SP), Alceni Guerra (PFL-PR) e Ibsen Pinheiro (PMDB-RS).
O novo velho Maluf
A voz, inconfundível, continua a mesma. Mas, na Justiça, quanta diferença! Desde que deixou a Câmara, no início de 1987, Paulo Maluf se viu alvo de uma série de denúncias por crimes de lavagem de dinheiro e contra o sistema financeiro (evasão fiscal), formação de quadrilha e corrupção. Nesse período, acumulou cinco derrotas eleitorais, inclusive para presidente da República, em 1989, e apenas um mandato: a prefeitura da capital paulista (1993-1996).
Acusado de intimidação de testemunha em 2005, o ex-prefeito de São Paulo passou 40 dias preso, ao lado do filho Flávio Maluf, na carceragem da Polícia Federal em São Paulo. Foi libertado porque o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou frágil o seu estado de saúde e “avançada” a sua idade. Contrariando o diagnóstico do Supremo, Maluf foi flagrado por jornais comendo pastéis e tomando chope em um bar de Campos de Jordão, logo após ser posto em liberdade.
De novo deputado, eleito com mais de 740 mil votos, o ex-prefeito está agora protegido pela prerrogativa garantida pelo mandato de só poder ser julgado pelo STF, o chamado foro privilegiado. Convertido de ex-inimigo do PT paulista a aliado do governo Lula, Maluf só se viu incomodado uma vez desde que assumiu o mandato.
No início do mês, a Justiça dos Estados Unidos abriu processo criminal contra o deputado por evasão de divisas. Maluf é acusado de ter desviado US$ 11,6 milhões de obras públicas de São Paulo para um banco norte-americano (leia mais). Em nota, a assessoria de imprensa dele disse que todas as acusações contra o parlamentar “jamais foram provadas”.
Collor, o retorno
No Senado, o caso mais simbólico é o do ex-presidente Fernando Collor de Mello (PTB-AL). Deputado federal entre 1983 e 1987, o ex-presidente voltou à vida política em grande estilo: desfilando pelo tapete azul do Senado. Primeiro presidente da história da República a sofrer processo de impeachment, em 1992, o ex-caçador de marajás subiu à tribuna no último dia 15 para um pronunciamento “histórico” – segundo as palavras de seu ex-líder de governo, o atual presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) – sobre sua derrocada política.
Por mais de três horas e diante de um plenário silencioso e quase lotado, Collor discursou firme e comovidamente, detalhando momentos do processo e acusando de arbitrariedade a comissão parlamentar de inquérito criada na época para “caçá-lo”.
Conseguiu declarações de apoio igualmente emocionadas de ex-aliados como os senadores Mão Santa (PMDB-PI) e Romeu Tuma (PFL-SP), que levou o ex-presidente às lágrimas ao lembrar do tratamento correto que Collor lhe teria dispensado quando, em seu governo, comandou a Polícia Federal e a Receita. E provocou colocações respeitosas e comedidas, inclusive de ex-adversários, como o senador Aloizio Mercadante (PT-SP), que afirmou ter agido segundo suas “próprias convicções” como membro da chamada CPI do PC.
Com visíveis marcas do tempo no rosto, Collor diz que agora, aos 57 anos, está pronto e mais maduro para novos desafios do que quando, aos 40, recebeu o cargo mais importante do país. “Meu desejo é poder oferecer um projeto que pretendo apresentar em breve, de uma reforma política ampla, profunda, porque entendo que a reforma política seja a mãe de todas as reformas. E, ao mesmo tempo, aprender, porque nesta Casa se aprende muito”.
As aulas já começaram. Em tempo: o discurso lido por Collor é poeticamente intitulado Resgate da história – A verdade sobre o processo do impeachment. Assista aqui ao vídeo da entrevista que Collor concedeu ao Congresso em Foco sobre esse e outros assuntos.
Renúncia estratégica
Políticos bem conhecidos da população politicamente ativa foram postos ainda mais em evidência depois da explosão das d
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