Pessoalmente, estou convencido que o sistema eleitoral que temos é um dos piores, e responsável em larga medida pela cultura política dominante: carreirismo, clientelismo, assistencialismo, ocupação não-meritocrática de funções públicas, inchaço de cargos comissionados de livre provimento em detrimento de carreiras no serviço público, loteamento político-fisiológico do estado e, resultando disso tudo, corrupção.
Quem não entender que a corrupção no Brasil reflete essa cultura e essa institucionalidade e que só será superada por uma nova cultura e instituições revigoradas vai ficar patinando ad eternis na forma que o próprio sistema criou para ir gerindo a questão: o “indignismo” udenista com sua boa dose de hipocrisia e sua impotência para lidar de fato com o problema. Por isso, me dá um certo desalento quando vejo de volta as vassouras e me lembro da tragicômica história das contas da Suíça do Jânio que morreu sem revelar os seus números para desespero dos herdeiros … Meio século mais tarde e voltam as vassouras…
Pegue qualquer jornal brasileiro dos anos da democracia de 1946 ou do pós-1985. Dificilmente passarão uma ou duas semanas sem algum escândalo. Nenhum governo escapa. No trechos editorializantes das matérias, fica claro que a corrupção nunca foi tanta. “Que país é esse?” Nos perguntamos nos anos 50, 80, 90 … em parte dos 60 e dos 80, antes e depois da fase braba da censura, que efemeramente fez cessar não a corrupção mas as notícias dela.
Na classe média, quantos milhares de vezes já nos indignamos? Alguns políticos constituíram carreiras e vitórias em cima dessa indignação. A maioria deles depois acabou vinculada a algum escândalo de corrupção ou privilégio. Jânio Quadros – o da original vassoura que iria varrer a corrupção do período JK –, Collor, o intrépido caçador de marajás. No Rio, tivemos a presidente da Câmara Municipal, Regina Gordilho, mãe coragem, implacável caçadora dos vereadores corruptos, depois ela própria envolvida num escândalo cabeludo e, logo esquecida. E o PT, que lavava mais branco que todos, lembram?
A corrupção, com uma série de males crônicos, endêmicos, da sociedade, pode eventualmente ir sendo reduzida e seus efeitos sobre o serviço público pouco a pouco reduzidos. Para isso, precisamos que as instituições funcionem. O maior problema é a impunidade. No Brasil, mais de 90% dos assassinatos não são esclarecidos, quanto mais punidos. A corrupção então … Temos leis lenientes, execução penal mais ainda, aqui não existiria a menor hipótese de um mega-corrupto de Wall Street, como Bernard Madoff, pegar prisão perpétua. Todos os assassinos, torturadores e esquartejadores do jornalista Tim Lopes, com exceção do chefe Elias Maluco, já saíram do xilindró por progressão de pena. Ficaram cinco anos. Agora imagine um pacífico 171 … A primeira coisa a respeito da impunidade da corrupção é a impunidade geral propriamente dita.
Para além disso, está o sistema eleitoral. A maioria dos políticos hoje compra votos direta ou indiretamente via centro assistencial ou cabos eleitorais. O serviço público foi formatado para atender à carreira individual dos políticos, suas grandes despesas de campanha e sua necessidade de “ocupação de espaços”. Não é à toa que temos dez vezes mais cargos comissionados federais que os EUA. Cargos para empregar a base política, oportunidades de propina em licenciamento, licitações, medições de obra, etc … tudo isso faz parte do botim que políticos individuais e grupos de políticos colocam como o preço da governabilidade. E é mesmo. Tente governar sem maioria no Congresso…
Sendo a lógica do sistema a preservação e promoção da carreira individual do político e a das eleições um preço cada vez mais caro, é lógico supor que as mesmas causas gerarão os mesmos efeitos. Uma reforma do sistema eleitoral pode mudar esse quadro? Não de imediato nem completamente, mas pode ajudar a melhorá-lo. O tão famigerado voto em lista barateia e simplifica ao extremo o quadro. A governabilidade torna-se mais simples, as campanhas mais baratas e os partidos mais fortes. E se os partidos forem corruptos? Se os caciques tornarem-se ainda mais caciques do que já o são hoje? Resta ao eleitor a arma da punição eleitoral coletiva. O partido pagará por todos. Os partidos terão que competir para mostrar processos democráticos internos e fugir de comportamentos que vão penalizá-los coletivamente. Por outro lado, a governabilidade torna-se mais fácil e a fidelidade partidária mais lógica. Também poder-se-ia viabilizar o financiamento público.
Embora o grande problema na minha opinião não seja o financiamento de campanha oficial e assumido pelas empresas – no caso das grandes campanhas é apenas um complemento ao tesouro de guerra amealhado anteriormente pelo mau uso da máquina pública – seria um grande progresso que o políticos não dependessem mais dos doadores privados para financiar suas campanhas.
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