Tales Faria*
Sou de um tempo em que um tal de Glauber Rocha armou-se de metralhadora, paus e pedras para atirar todos os petardos contra as "patrulhas ideológicas". Espírito anárquico, o autor de Deus e o diabo na terra do sol voltou-se contra aqueles na esquerda que identificavam um assecla da ditadura por trás de qualquer ponderação menos sectária em relação aos militares.
Glauber havia elogiado o então presidente Ernesto Geisel, com observações que hoje nomes respeitáveis da esquerda não se cansam de fazer. Mas naquela época isso era uma heresia. Os xiittas (outra expressão que entrou em voga naquela época, quando o aiatolá Khomeini assumiu o poder no Irã) caíram de pau. E o genial cineasta reagiu dizendo que não aceitava patrulhamento: "Abaixo as patrulhas ideológicas!"
Acho até que quem primeiro usou a expressão na década de 70 foi outro cineasta, o Cacá Diegues. Mas Glauber Rocha marcou-me mais como figura de enfrentamento das brigadas da intolerância.
Puxo da memória assim apenas para dizer que, no meu tempo, as patrulhas ideológicas eram de esquerda, de uma esquerda sectária que não aceitava qualquer reconhecimento à direita. Agora o colunista Diogo Mainardi, da Veja, apareceu com o patrulhamento de direita: quem falar em socialismo, for simpático ao PT ou ao governo (embora socialismo, PT e governo não necessariamente estejam do mesmo lado; boa parte das vezes até em lados opostos), enfim, quem aparecer com um cheirinho que seja de esquerda, vira alvo do novo arauto da direita brasileira.
O patrulheiro Mainardi está atento. Vai atirar contra qualquer órgão da mídia que contratar alguém com um passado o mais remotamente esquerdista que seja. Em sua última coluna, voltou-se contra o portal iG por abrigar em suas páginas virtuais nomes como os jornalistas Paulo Henrique Amorim (que não me consta ser esquerdista, nem ligado ao governo), Franklin Martins – este sim, com um notório passado esquerdista e contra quem Mainardi cultiva ódio doentio – e Mino Carta, que simplesmente criou a revista na qual Mainardi hoje trabalha. Até por respeito capitalista, Mainardi deveria ser grato a quem lhe proporcionou essa possibilidade de emprego.
O iG respondeu à coluna do nosso novo patrulheiro de uma maneira, no mínimo, brilhante: "A Editora Abril é parceira do iG. A Editora Abril publica Veja. Veja emprega o colunista Diogo Mainardi. Veja está no iG. A coluna de Mainardi pode ser lida no iG. A se acreditar em Diogo Mainardi, então, ele próprio é petista. Quem sabe tenha sido contratado pelo PT para falar mal do próprio Lula num diabólico papel de bobo da corte."
Não, não se trata de um bobo da corte. No meu tempo, realmente Glauber e Cacá Diegues cunharam o termo "patrulhas ideológicas" para esquerdistas. Mas antes, muito antes, lá pelos idos da década de 30 do século passado, as verdadeiras patrulhas ideológicas eram de direita, de extrema direita, fascistas, nacional-socialistas. Na verdade, usaram a expressão para apontar aquele tipo de esquerdista como um velho fascista.
O nosso amigo Mainardi tem origem carimbada na história. Não está aí de bobo da corte. Trava uma luta ideológica. Tenta constranger aqueles veículos da mídia que, por ventura, venham a abrigar jornalistas que não rezem pela sua cartilha direitista. Eu não apóio o governo, mas chega a ser engraçado Mainardi falar de mídia tomada pelo governismo num momento em que os maiores veículos da imprensa entraram em campanha contra o governo…
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