Marcos Magalhães*
A eleição de Evo Morales para a presidência da Bolívia parece indicar mais um passo da América do Sul em direção à esquerda. Mais precisamente, a uma esquerda estatizante, antiamericana e nacionalista como não se via desde a década de 60. E que conta com uma estrela internacional, o líder sem oposição da Venezuela, Hugo Chávez. Isto é o que parece. Mas será esta mesmo uma tendência do continente?
Pelo menos duas gerações de simpatizantes da esquerda se formaram na América do Sul durante o período da Guerra Fria e antes da queda do Muro de Berlim. Em comum, elas tinham a defesa de um amplo papel do Estado na economia, a rejeição das multinacionais, a crença na força redentora do mercado interno e um visceral antiamericanismo. Tudo que um Evo Morales encarna hoje à perfeição, com 20 ou 30 anos de atraso em relação ao momento em que todas essas tendências estavam no auge.
Se Morales enfrenta o desafio de provar a atualidade de suas idéias, ele conta com um forte ativo: o apoio do presidente de um país rico em reservas de petróleo e pronto para dar uma mãozinha aos vizinhos que tenham em comum com ele a postura fortemente antiamericana. Com muito dinheiro em caixa, Chávez tem se tornado um ímã para outros líderes sul-americanos. Será assim com Morales, como foi recentemente com o presidente da Argentina, Nestor Kirchner, muito grato pelo apoio financeiro recebido de Caracas no momento em que tenta reconstruir a economia de seu país.
O eixo Caracas-La Paz tem tudo para se tornar a próxima dor de cabeça de Washington. As declarações retumbantes do presidente da Venezuela já o colocaram na capa da revista Newsweek, que o chamou de Furacão Chávez. A nova dupla estará ainda sentada sobre as maiores reservas sul-americanas de petróleo e gás. Reservas que serão usadas como armas políticas, como demonstra a intenção anunciada por Morales de reestatizar poços de produção de gás – como os da Petrobras.
O anti-americanismo de Chávez e Morales enfrenta, porém, as mudanças do tempo. Pode ser menos pacífico afirmar que os Estados Unidos sejam hoje, em relação à América Latina, o mesmo monólito imperialista do passado. A direita norte-americana ainda está de pé e com saúde. Defende a invasão do Iraque, admite escutas clandestinas de cidadãos suspeitos de terrorismo e insiste em um rumo solo para o seu país no cenário mundial.
Alguns passos recentes, porém, demonstram que há sinais de mudança. O primeiro deles é o acordo firmado em Hong Kong pela Organização Mundial de Comércio (OMC), que torna obrigatória a eliminação de subsídios à exportação de produtos agrícolas em 2013. Só se alcançou o entendimento depois que os Estados Unidos se aproximaram dos países em desenvolvimento – liderados pelo Brasil – para cobrar concessões da Europa, maior defensora dos subsídios agrícolas. Esta aliança seria impensável apenas dez anos atrás.
Outro movimento é o de aproximação com o Brasil. Donos de histórias de vida completamente diferentes, e até certo ponto antagônicas, George Bush e Luiz Inácio Lula da Silva têm conversado como poucos presidentes dos Estados Unidos e do Brasil já conversaram. Divergem em muitos pontos, mas mantêm um canal aberto, ao mesmo tempo em que se tornam mais difíceis as relações de Washington com Caracas e La Paz.
A postura pragmática do Brasil vai fazer a diferença na América do Sul. Lula tem feito diversos afagos a Morales. Quando se encontra com Chávez, repete a crítica do presidente venezuelano ao comportamento das elites e da imprensa. Mas, apesar de todos os acenos à esquerda, Lula tem evitado queimar as pontes com os Estados Unidos.
Parte da esquerda brasileira se sentirá tentada, em 2006, a seguir o exemplo dos líderes da Venezuela e da Bolívia. Mas dificilmente o próprio Lula tenderia a dar uma guinada radical em sua política externa. No campo tucano, José Serra poderia manter as linhas gerais seguidas atualmente pelo Itamaraty, enquanto Geraldo Alckmin tem demonstrado interesse em celebrar novos acordos comerciais, bastante pragmáticos, com outros países.
Mesmo que a oposição vença as eleições do ano que vem, portanto, dificilmente o próximo presidente seguiria a trilha aberta por Chávez e Morales. Se o Brasil não se inclinar por esse caminho e países como a Argentina e o Chile também optarem pelo pragmatismo, dificilmente prevalecerá no continente o caminho do confronto.
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